- Gênero: Comédia, Terror
- Direção: Elizabeth Banks
- Roteiro: Jimmy Warden
- Elenco: Ray Liotta, Kerri Russell, Alden Ehrenreich, O'Shea Jackson Jr., Isiah Whitlock Jr., Brooklynn Prince, Christian Convery, Jesse Tyler Ferguson, Margo Martindale, Aaron Holiday, Aooyla Smart,Leo Hanna
- Duração: 95 minutos
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Hoje à tarde tive uma discussão com amigos sobre lógica no cinema. Lógica. No cinema. Pra muita gente, esses termos soam quase antagônicos. O cinema, matéria-prima nascida do sonho e da elaboração do campo fantástico, pede por lógica pouquíssimas vezes; aquele estado irracional que atingimos ao perceber que ‘tudo pode acontecer’ em um filme, só se dá através da demolição de conceitos restritivos como a lógica. Onde estaria a lógica quando um extraterrestre empina um coletivo de bicicletas em direção à lua? Ou quando um assassino profissional vestindo um terno à prova até mesmo de tiros de canhão, é atingido por uma faca? Qual a lógica de um multiverso onde um casal lésbico com mãos de salsicha vive em eterno idílio? O Urso do Pó Branco. Só pelo título, qualquer lógica saiu pela janela.
E estamos falando de um filme baseado em eventos reais acontecidos em 1995, quando um carregamento de cocaína foi jogado de um avião em uma reserva florestal, e um dos ursos de lá CONSUMIU o “produto”. Hollywood, com sua vitalidade aparecida somente em momentos muito específicos, identificou o potencial pusilânime da ideia, e transformou isso em um dos títulos mais lucrativos da temporada, e bem sucedido em mais de um contexto. Nem lógica podemos esperar de algo dessa natureza, muito menos amarras; a ideia aqui era ir além do que uma major permite, hoje. Produzido por uma muito inteligente divisão da Universal que está realizando produções de orçamento reduzido e imaginação expandida em sucessos incontestáveis (M3GAN e O Telefone Preto são dois deles), O Urso do Pó Branco é mais um desses casos de respiro.
Isso acaba ficando acima de seus méritos – que existem, e nem são poucos – mas não pode ser uma receita para a aprovação de qualquer coisa. No entanto, O Urso do Pó Branco tem o espírito da tentativa imbuído em seu DNA. Depois de um remake esquecível de As Panteras, a atriz e realizadora Elizabeth Banks surge com essa ideia que ultrapassa alguns limites da ‘saída da casinha’, porque o ponto não se encerra na premissa, mas sim se expande para o que o filme apresenta. A começar pelo código genético final, que inclui comédia, terror, aventura, policial e o que estiver passando pela frente. Com parcimônia para todas as direções, o filme funciona na maior parte do tempo por entender que fazer concessões não o levou a ser realizado; logo, quanto mais freio pisado, pior.
O Urso do Pó Branco funciona mais, como qualquer tentativa na direção do trash, quanto menos se preocupa com o politicamente correto, e seus desdobramentos. Quando equilibra doçura e carnificina, o trabalho de Banks e do roteirista Jimmy Warden – e que são produzidos pelos igualmente doidos Phil Lord e Christopher Miller, os responsáveis por Uma Aventura Lego e Homem-Aranha no Aranhaverso – salta com mais suculência na direção do espectador. Essa liberdade (grande ou pequena) conseguida na produtora é quem eleva o material, que precisa constantemente elevar o próprio material. Como trata-se de uma piada de tiro curto – um urso comeu/cheirou quilos de cocaína e agora está fatalmente descontrolado em uma região montanhosa – o filme entende que não pode dar descanso ao público, com o risco da queda de ritmo e de interesse em algo tão ínfimo se tornar evidente.
Mas isso não acontece, e a montagem de Joel Negron (de Águas Rasas e Jungle Cruise) é muito feliz ao conseguir amalgamar tantos pontos de roteiro. Afinal, são muitas histórias que irão se encontrar no mesmo fim: o chefe do tráfico que procura a carga perdida; um casal de crianças perdido na floresta; uma guarda florestal doida pra “dar o bote” em um colega; a mãe de uma das crianças em busca de sua filha; um trio de bandidinhos adolescentes; e uma dupla de amigos que trabalha para o traficante – e um deles está em depressão pela viuvez recente. São tantas coisas para dar conta, elencar com precisão sem permitir que uma atropele ou fique mais importante que as outras, e imprimir cadência a esse grupo de personagens, que os acertos de O Urso do Pó Branco parecem ainda maiores.
Que o filme não consiga sempre elevar seu grau de estupor em relação aos eventos, sua procedência e as desventuras seguintes, isso é menor. Talvez o que seja mais ineficaz seja perceber que nem sempre o filme foi tão longe quanto acredita ter ido; O Urso do Pó Branco não consegue se livrar das obrigações que uma produção em larga escala precisa ter para ganhar um selo de “bom gosto”. Ainda que muita coisa seja impactante, como o tiro na cabeça que um dos personagens leva e o desfecho do traficante vivido pelo já saudoso Ray Liotta, outras tantas parecem ter sido abortadas no meio do andamento. Não é o suficiente para descartar essa ideia tão absurda quanto genial, e curtir o quanto for possível o primo mais chapado do Zé Colmeia.
Um grande momento
A perseguição à ambulância