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Red Rocket

A cerimônia de um possível adeus

(Red Rocket , EUA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama, Comédia
  • Direção: Sean Baker
  • Roteiro: Sean Baker, Chris Bergoch
  • Elenco: Simon Rex, Bree Elrod, Suzanna Son, Brenda Deiss, Judy Hill, Brittney Rodriguez
  • Duração: 127 minutos

Se Sean Baker não está fotografando uma realidade diferente em Red Rocket, ao menos temos a certeza da coerência. O cineasta em questão é o mesmo responsável por Tangerine e Projeto Flórida, e sua investigação sobre os desvalidos estadunidenses continua, sempre em consonância do que já foi feito. São pobres diabos, que não tem perspectiva dentro do quadro de subsistência observado pelo cineasta. Figuras que não possuem passabilidade financeira dentro de outro quadro, e por isso são continuamente excluídos de seus próprios quadros de acesso. A identificação com tais personagens é definida não apenas e somente pela empatia, mas pelo lugar que se percebe dentro daquele sistema (falido). 

De alguma forma, toda a filmografia de Baker é também uma resposta a crises, dentro da economia mundial – e mais especificamente a norte-americana – assim como também do próprio cinema. São tipos que vagam pela ausência material, no que isso também reflete suas ausências morais e estruturais. O que o diretor realiza de maneira mais focada é uma distância de qualquer julgamento possível, sob o ponto de vista que for. Esse é o ponto de partida de sua bússola, que leva o seu grupo sempre adiante sem adjetivar seu olhar nessa direção. Temos um posicionamento cheio de afeto por qualquer um que cruze a lente de Red Rocket, uma produção compassiva em relação ao universo que filma, sem glorificar o que vemos.

Se lá em Starlet, outro longa de Baker a mostrar a indústria pornô, esse cenário tinha sido visto de dentro e no auge, o que surge em Red Rocket é uma zona cinzenta, mais propensa ao declínio, sem imaginar aquele lugar como uma oportunidade. Aqui, o que temos é um passado apagado, praticamente só visto através das lembranças de alguém que viveu intensamente um sonho, que acabou. Quem nunca acordou de um sonho bom e tentou dormir rapidamente para retomar o que não deveria ter sido interrompido? É a tentativa atual de Mikey Saber, que despertou de uma realidade que não queria perder, deu alguns muitos passos pra trás, e agora tenta recuperar algo que talvez já não lhe caiba; o mundo pertence a outros, agora. 

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Red Rocket
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Red Rocket, ao contrário da possibilidade do sonho mostrado nos longas anteriores, aqui trata sobre pessoas que não apenas perderam tudo (ou nunca o tiveram), como já não têm mais tempo para embarcar em uma jornada de descobertas. Duas das personagens mais centrais aqui são jovens, e apenas a uma delas será dada a opção de mergulhar onde se está para emergir em um outro contexto. Essa personagem inclusive é adepta da educação e pede por ela, mas o mundo está literalmente aos seus pés, pronto até mesmo para funcionar em rotação contrária, por sua escolha. Ela vai retroceder a narrativa temporal até para que nela possa ser encaixado Mikey, que precisará aceitar que o mundo já não é mais dele, e sim de um futuro incontrolável. 

Além de todas essas leituras, o roteiro de Baker e Chris Bergoch se interessa pelo estudo de um personagem que, de muitas formas, é um filho bastardo dos anos 1970. Por suas motivações (que não são apenas egóicas, mas também fruto de um cinema trabalhista do período) e pela forma como o diretor filma, tudo em Red Rocket está imbuído de um espírito do tempo que não se encaixa no hoje. Temos os super closes da marginalidade da Nova Hollywood, que encontram inspiração no Boogie Nights do Paul Thomas Anderson – assim como Babilônia – cujo discurso se encontra com a própria natureza que Baker estabelece, uma espécie de ressaca de um tempo que não está mais disponível. São lembranças que estabelecem uma conexão que o espectador não vê, apenas acessa através de uma realidade que está na fala e nas recordações de Mikey, o objeto de estudo. 

Red Rocket, produção que promove mais um retalho dessa colcha que Sean Baker costura e observa o sexo como uma moeda de troca sem qualquer valor aparente, é, apesar da colocação amarga de seu desfecho, mais uma leitura amorosa e empática a respeito de uma América que não é paginada, nem tem os mesmos direitos que o cinema comumente outorga. No corpo de Simon Rex, o filme encontra vazão emocional para suas escolhas estéticas; está tudo em cena, e seu plano nos enreda porque o ator compreende os códigos com que trabalha. É um casamento raro de eficiência, que une os conhecimentos de todos os envolvidos em um jogo de tabuleiro que define a veracidade geral. Seu desfecho é puro suco de Baker – o delírio nos salvará de nós mesmos. 

Um grande momento

‘Bye Bye Bye’, por Moranguinho

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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