- Gênero: Drama
- Direção: Carine Tardieu
- Roteiro: Sólveig Anspach, Raphaële Moussafir, Agnès de Sacy, Carine Tardieu
- Elenco: Fanny Ardant, Melvil Poupaud, Cécile de France, Florence Loiret Caille, Sharif Andouras, Sarah Henochsberg, Martin Laurent, Manda Touré
- Duração: 114 minutos
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A paixão não é algo que possa ser escolhido, ela simplesmente vem, arrebatadora como de costume, e te arremessa para longe do lugar comum. Apaixonados, somos capazes de absurdos incompreensíveis, mas altamente reconhecíveis por quem também já os viu de perto. Já o amor é um sentimento que sim, é menos trôpego, talvez seja de fácil desapego, mas sua renúncia geralmente é resultado de um amor ainda maior do que se imagina. Os Jovens Amantes é mais uma vez saudável surpresa do Festival Varilux 2022, que tem como meta subverter o que se imagina a expectativa do espectador, que constantemente é levado por caminhos inusitados em cena. O intuito é transformar a experiência de quem assiste em uma aula magna dos benefícios e malefícios desse arrebatamento.
Através de sua demonstração de acaso, o filme acaba por nos mostrar o quanto não estamos livres de uma virada radical, mesmo quando não estamos esgotados. A dica que reverbera é a de que “tinha algo errado mesmo que inconscientemente, afinal você deixou outra pessoa entrar”; nada tem uma resposta tão fácil assim. É revigorante pensar nesse poder da paixão, que não escolhe hora, lugar ou idade para se manifestar, não medindo as consequências em seu caráter desagregador. Independe da vontade dos envolvidos, o filme lida com essas filigranas de subjetividade ao desenvolver sua narrativa, que parecem sempre levar seus personagens até o momento inevitável, das escolhas e das renúncias.
É um painel que pretende, em tese, colocar sobre a mesa tanto as benesses dessa avalanche de emoções quanto o revés de se jogar sem rede de proteção. Mas o filme não consegue convencer, ao menos na maior parte do tempo, a respeito da felicidade em se apaixonar, afinal isso é algo bom de se sentir, certo? Pois bem, com tanto sofrimento e destruição envolvidos, talvez os dois personagens solitários do roteiro, Cecilia e Georges, devessem agradecer por não estarem em pé de encontrar tanta tristeza em seu caminho. Mesmo os momentos de encontro inicial e da exposição de seus sentimentos, o que alimenta os personagens não parece ser a vontade de ser feliz, mas um medo constante e aterrador da corrente marítima que é estar apaixonado.
Dessa forma, a diretora Carine Tardieu parece condenar a história que está contando, desde seu princípio. Ainda que Os Jovens Amantes esteja envolto em pulsão de vida, em troca de vibrações, o roteiro e a direção nunca nos deixam esquecer que tudo está errado, e que esse sentimento está condenado. Não importa se vez por outra os protagonistas consigam visualizar um manancial de possibilidades de futuro, e mesmo que seja declarado que suas decisões são tomadas em nome do amor de maneira definitiva, vaza nas entrelinhas a crônica de muitas tragédias anunciadas. Que seus personagens ainda escolham abraçar a tortura e o horror depois de muito serem avisados para fugir (“não era amor, era cilada…”), é algo que atesta contra o equilíbrio emocional de cada personagem.
Mas e se essas escolhas estiverem na zona do que queria se apresentar como mensagem e Os Jovens Amantes seja irônico na sua abordagem de um relacionamento de futuro? Aí é pensar no nível de esquizofrenia que pode estar inserido em outros contextos do projeto, que preconiza um estado de espírito dos piores para retratar um sentimento tido como positivo. As diferenças entre Shauna e Pierre são imensas, eles tentam fugir um do outro (e racionalmente não poderia ter opção melhor do que fugir dessa decisão), mas são sempre reconduzidos de volta para um sentimento que muito mais lhes destrói do que apresenta seus predicados. E mais uma vez tudo em tela faz mais sentido e o espectador compra mais essa ideia por conta da qualidade inequívoca de seu elenco.
Fanny Ardant está em fase memorável da carreira (os recentes Belle Époque e DNA só atestam isso), e aqui ela prova que está ainda melhor do que imaginávamos, assim como Melvil Poupaud (de Graças a Deus e O Tempo que Resta), grande e subestimado ator, que juntos conseguem transmitir tudo o que descrevi. Graças a ele, o filme transborda credibilidade e emoção, porque suas saídas para cada uma das encruzilhadas onde se encontram sempre ecoa nos seus rostos expressivos, que enchem a tela com a paleta de cores cheia de nuances de suas performances. O encontro final entre eles flui com tanta naturalidade, que percebemos ali em um lapso, que talvez valha sim apenas esse tal mergulho sem rede – mesmo quando temos a certeza da queda.
Um grande momento
O telefonema, de costas