Crítica | Festival

Fale Comigo Verão: O Diário de um Cineasta Amador

Sossega, rapaz!

(Fale Comigo Verão: O Diário de um Cineasta Amador, BRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Evandro Scorsin
  • Roteiro: Evandro Scorsin, Christopher Faust
  • Elenco: Evandro Scorsin, Christopher Faust, Morgana Orlandi, Jessica Secco, Vinicius Pereira Coelho, Estela Basso, Maíra Teixeira de Farias
  • Duração: 77 minutos

O que é preferível, pecar pela ausência ou pelo excesso? Evandro Scorsin, em sua estreia em longas, não pensou duas vezes e apostou em tudo que lhe vinha à cabeça. Apesar de já ter mais de 30 anos, Fale Comigo Verão: O Diário de um Cineasta Amador por muitas vezes leva seu subtítulo ao pé da letra demais, e por outras assume uma personalidade ‘fim de adolescência’. Seja como for, como tantas experiências oriundas de edições do Olhar de Cinema, o filme é mais um caso de ‘ame-o ou deixe-o’, no qual eu farei às honras da casa em optar pela saída pela esquerda, ou seja, amar ainda que nem um pouco disposto a passar a mão na cabeça de seu multiautor. Há muito o que se apontar aqui, e a admiração não me apagou a coerência. 

De um lado, a esfuziante usina de ideias chamada Scorsin não deixa passar nada em branco na frente da tela – literalmente. Fale Comigo Verão: O Diário de um Cineasta Amador é inquieto, espontâneo em um grau de ingenuidade, e muito afetuoso por qualquer elemento que atravesse o ecrã. Sentimos como seu diretor está realizando muito mais do que um trabalho, mas um projeto de vida; sua alegria de incluir na tela cores (e a ausência delas também), sons, músicas e assuntos, mostra pra quem já perdeu a esperança/expectativa, que tudo e muito ainda é possível. Ainda que afetado, o filme consegue ir até o abismo da melancolia e sair encharcado dela, e ainda assim sorrir de cada genuína dor que empresta às imagens.

Por outro, se fosse uma criança, Fale Comigo Verão: O Diário de um Cineasta Amador seria uma daquelas insuportáveis hiperativas, que correm, pulam, gritam, dançam, batem em outras, caem, se machucam, choram, BERRAM, e depois de 1 hora de sono, voltam com a corda toda. Dou os parabéns a quem tenha paciência para aproximar-se de tais pequenos monstros; não é o meu caso. Scorsin não tem medo de gastar todo o seu arsenal de quereres todo de uma vez, como se nunca mais fosse capaz de realizar um novo filme. O filme ecoa seu som, muda a textura de sua imagem, trata de metalinguagem dentro da metalinguagem, mistura ordens que pareciam estabelecidas alguns minutos antes só pelo prazer de embaralhar mais um pouco a vida do espectador… enfim, ao término, soltamos um grande ‘ufa!’. 

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Mas não é que, estranhamente, dentro dessa saraivada de informações, tantas que chegam a cansar a simples rememoração, nasce uma voz se debatendo para ser ouvida? Scorsin, como já dito, não vai agradar a todos; creio que imensa parte de meus colegas mal chegarão ao término para julgá-lo, condená-lo e, se possível, açoitá-lo, e o pior é que o moço faz tudo tão consciente, que deve saber que isso acontecerá, e nem tem muito como entrar em brigas por sua visão. O lance é que eu comprei a histeria emocional, a vontade tão incontrolável de ser ouvido, que ao invés de explicar de maneira pausada seus pontos, resolveu urrar a plenos pulmões. A vontade de ser, a um só tempo, herdeiro da ‘nouvelle vague’ e também dos ‘bromances’ americanos dos últimos 20 anos, consegui pinçar com boa vontade o carinho pelo qual ele e seus asseclas se despedem, enfim, de uma juventude que já bateu asas. 

Talvez por, ainda que 10 anos mais velho que “os meninos”, eu entenda quando eles falam que o presente é o lugar onde não se quer estar, porque estar no presente é perceber seus fracassos de muitas ordens. O passado é uma lembrança epistolar que sempre estará mitificada (até porque deletamos o que não foi tão bom, não é mesmo Scorsin?), e o futuro é um oásis de possibilidades intocadas e que pode eternamente não ser alcançado, e ainda assim desejado. Dotado de algumas cenas tão doces quanto reflexivas, Fale Comigo Verão: O Diário de um Cineasta Amador, no pior caso, apresenta ao público dois caras tão opostos quanto Scorsin e Christopher Faust, que só poderiam ser amigos mesmo; não viemos ao mundo para encontrar duplos, mas sim nemesis, que confrontem nossas ideias e nos coloquem em contínua pesquisa emocional. 

Se tudo tivesse dado errado em Fale Comigo Verão: O Diário de um Cineasta Amador, e, um exemplo, o filme tivesse mantido em primeiro plano o romance franco-brasileiro com toques autobiográficos, e apesar disso todo o encontro entre Scorsin e Faust tivesse sido mantido, ainda algo teria sido salvo. Embora também não seja intocado, parte dessa tarde de chuva os melhores momentos da produção, e os piores com certeza estão na decisão de abandonar a esposa e as muitas questões que ela também expõe ao voltar ao Brasil. Quando brinca de ser um Kevin Smith menos gaiato e mais filosófico na tentativa de reprodução de um filme de adolescência, o diretor extrai uma fineza que nem se sabe se foi percebida. É quando o filme sossega e somos levados por uma amizade (e o que é uma amizade hein, Faust?) que vale a pena se debruçar. 

Um grande momento
A definição da amizade – em teoria e na prática

[12º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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