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Pisque Duas Vezes

...pra saber que Kravitz não veio brincar

(Blink Twice, EUA, MEX, 2024)
Nota  
  • Gênero: Suspense
  • Direção: Zoë Kravitz
  • Roteiro: Zoë Kravitz, E. T. Feigenbaum
  • Elenco: Naomi Ackie, Channing Tatum, Alia Shawkat, Adria Arjona, Christian Slater, Simon Rex, Haley Joel Osment, Geena Davis, Liz Caribel, Trew Mullen, Levon Hawke, Cris Costa,Kyle MacLachlan
  • Duração: 100 minutos

O cinéfilo nem precisa estar enormemente em dia com as últimas e mais escondidas novidades cinematográficas não; Pisque Duas Vezes investe em alguns plots e temas que vêm passeando pela cinematografia do mundo nos últimos anos. Abro o texto com essa “ressalva” para deixar claro o mais importante: definitivamente isso não importa. Cada vez mais considero boba essa argumentação em torno de uma ordem originalidade tida como indispensável para o bom aproveitamento de qualquer experiência, e especificamente a do audiovisual. Impressiona muito mais que tenhamos a consciência que trata-se da estreia no cinema como realizadora da jovem atriz Zoë Kravitz (de Batman). E digito esse “jovem” deixando explícito que a juventude que mais interessa nesse caso é a sua enquanto profissional de cinema.

Partindo desse pressuposto, Kravitz inicia uma nova fase na carreira como uma promessa a se observar. O manancial que desenvolveu para desembocar aqui não faz parte de uma fórmula previamente testada, porque suas ideias se transformam não apenas em narrativa, mas principalmente em imagens. Sua construção para a mise-en-scene é o que torna a experiência em torno de Pisque Duas Vezes tão acima da expectativa, embora seja necessário sim observar o que ela tem a dizer. Portanto, não é como se um veio vazio se abrisse à nossa frente; uma enxurrada de material se faz valer a partir do que é mostrado. Essa é uma contribuição que precisa dessa cumplicidade, porque está sendo investigado aqui também o campo das sinapses dos personagens, que se expande gradualmente. A proposta da direção é unificar esse olhar, tornar a nossa leitura próxima a de quem está em cena, em seus paralelos de descobertas.

Como nada no cinema é necessariamente inédito, estamos sim diante de uma produção que flerta com alguns terrenos conhecidos, alguns desbravados por Hitchcock, outros por Jordan Peele, mas é a visão da diretora Kravitz na criação das imagens o que faz de Pisque Duas Vezes uma experiência tão perturbadora. É o que ela cria para contar o que está acontecendo, que não é de conhecimento do elenco principal ou do espectador, mas que é revelado através da descoberta gradual do plano. O espectador, assim como as protagonistas, conquistam o direito ao entendimento a cada bloco de acontecimentos, que sempre desvenda algo novo, ou reforça uma situação que poderia ainda não ter sido assimilada. São detalhes escondidos em cada nova informação, que dizem tanto sobre o próprio, quanto ao quadro inteiro. 

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É o trabalho de enquadrar, de montar as set pieces (que é o esqueleto da cena, levando em consideração todos os elementos que a compõem, do posicionamento dos atores à luz, cenário e movimentação de câmera), que dão a Pisque Duas Vezes o seu misterioso encanto. Porque Kravitz mostra que é uma aluna aplicada com os cineastas que têm trabalhado, ao observar tão bem suas marcações, e não reproduzi-las aqui de instantâneo, e sim para criar uma voz particular na sua obra. Isso também é resultado do seu roteiro escrito em parceria com E. T. Feigenbaum, mas especificamente na transposição do andamento do que escreveu, na transposição dessas ideias para imagens, e na vontade de avançar sorrateira pelo renascimento do horror social que ganhou novas encarnações nos últimos 10 anos. 

Aqui, estamos ao lado dessa dicotomia entre os que têm muito e os que nunca estiverem próximo a esse arranjo, e o que cada parte possui para ser usurpada; da fragilidade ao poder incontrolável, o filme não se furta ao observar a lenta descida ao inferno de seus personagens, os bons e os maus. O oprimido, naturalmente, é o sujeito que irá perder mais, até porque historicamente isso dificilmente será equiparado algum dia. Ainda assim, Kravitz é ousada o suficiente para encerrar seu filme da maneira como faz, e que mesmo à mercê de críticas, volta a encarar um velho fantasma que assombra os menos favorecidos: o que fazer quando o poder finalmente chega até nós? Pisque Duas Vezes tem a certeza das suas escolhas e as banca, mostrando uma autora que, no primeiro filme, parece a um só tempo cheia de energia para errar e dona da própria razão. 

Antes disso, o filme tem os objetivos bifurcados, como o melhor dos agentes duplos. É uma peça de entretenimento feroz, sem espaço para a respiração e uma sede incontrolável de fornecer adrenalina ininterruptamente, e também um filme que não “veio à passeio”, com rigor estético e uma consciência de seus valores que faltam a muitos veteranos. Resta a dúvida de entender se Kravitz tinha um desejo exclusivo de contar essa história tão bem concatenada, ou se estamos vendo o nascimento de uma autora que irá dar muito trabalho nos próximos anos. Seria bom a Pisque Duas Vezes ser um cartão de visitas, mas caso esse tiro for único, vamos sentir muitas saudades dessa artista renovada que acaba de nascer. 

Um grande momento
Frida e Sarah começam a entender os fios soltos

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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