CríticasFestivais e mostras

Ramona

Entre o discurso e o dispositivo

(Ramona , DOM, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama, Documentário
  • Direção: Victoria Linares Villegas
  • Roteiro: Victoria Linares, Villegas, Diego Cepeda, Maia Otero, Julia Scrive-Loyer
  • Duração: 80 minutos

Uma realidade de muitas meninas periféricas, a gravidez na adolescência já circulou por muitas narrativas ficcionais e documentais, principalmente em filmes da América Latina, onde essa incidência não tem geração que suporte na totalidade. Esse detalhe também está em Ramona, filme visto na 18a. Cine BH, e que tenta elucidar através de depoimentos reais onde as novas gerações se percebem, já que essa é uma reiteração contínua inclusive que mostra ainda a força do patriarcado e de vozes de repressão contra a mulher. É preciso que um documentário recoloque tais vetores em ação para mostrar que infelizmente pouco foi mudado a esse respeito em qualquer parte do continente e do mundo, no Brasil inclusive. 

A diretora Victoria Linares Villegas cria um dispositivo que parte de uma premissa quase genial. Uma atriz irá interpretar uma adolescente grávida, e durante testes preparatórios a respeito da corporalidade da personagem, se questiona a respeito da credibilidade dos gestos e pede para encontrar meninas em condições semelhantes à que interpretará, mas na realidade. O que se segue são tais encontros, onde a protagonista de um filme que não existe trava diálogos entre meninas muitos jovens que estão em situação semelhante a do filme que será filmado. Ou seja, Ramona é um documentário onde outras categorias de dramaturgia serão inseridas em contexto geral para que a exposição do tema crie alguma amplificação. 

O resultado parece satisfatório no cômputo geral, porque tais artifícios se cumprem na disposição que o filme apresenta tais demandas, mas quando olhamos quadro a quadro o que está sendo apresentado dramaturgicamente, tais elementos soam vazios. E a moldura apresentada também não é da natureza que imaginaríamos, porque ao longo da produção certos desvios são cometidos para agrupar sua visão, e outras tantas comodidades se mostram facilitadoras da ação. Ramona se monta como um dispositivo eficaz para encontrar e traduzir as falas de meninas fora das regiões cosmopolitas, mas que na tradução para o cinema propriamente dito, acaba não aplicando a mesma força na imagem quanto ao conteúdo. 

Apoie o Cenas

O que deveria ser um portal para a entrada de tais personagens, acaba se mostrando muito mais interconectado ao ponto de partida, o que vez por outra sufoca suas intenções. Existe uma colocação muito precisa a respeito da ponte que é feita entre ficção e realidade, e isso ser constantemente acessado com as aparições da atriz em cena tanto torna crível o mecanismo provocador da ação, quanto tira peso dramático do que é o primeiro plano da produção, os relatos verídicos de suas personagens. Ainda que fique claro que o filme está dizendo que “todas são Ramonas” em cena, principalmente em seu desfecho, é a fala de cada uma em cena que calibra de urgência o filme. Quando a mãe de uma delas colore com a história de sua própria família, Ramona prova onde está o material essencial dessa jornada. 

Ainda que um projeto da República Dominicana possa acessar os lugares do melodrama sem perder identidade, o que entra em cena ao fim e ao cabo de Ramona é uma ideia que pode ter funcionado no plano; na ação, tudo parece canhestro e definitivamente nada orgânico. Encenar com duas das meninas o que seria o projeto inicial, retifica a qualidade da voz das personagens, mas insere o filme em um campo artificial que tira outras camadas de credibilidade do que vemos. O oposto acontece na cena do ensaio coletivo, onde a atriz pede às meninas que interajam com o que irão assistir; ali, o esquema vazado de quarta parede situa o filme em uma proposta ousada de invasão do olhar de suas protagonistas por direito. Quando a encenação enfim acontece, no entanto, tudo o que é revelado ali, esgana a força do projeto. 

Sobram, por assim dizer, todas as nuances capturadas em cima de cada apresentação de suas personagens, que mostram a necessidade de um projeto assim servir no ponto de vista social. Se no quesito artístico, alguns tropeços são cometidos, no lugar onde precisa extrair força, ela existe. Se estamos diante de um resultado onde os incômodos estéticos e narrativos não se escondem, isso também se realiza a partir da qualidade do discurso real. 

Um grande momento

Avó, mãe, filha e neta 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo