Crítica | CinemaDestaque

Filhos

O que os olhos dizem

(Vogter, DIN, SUE, FRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama, Suspense
  • Direção: Gustav Möller
  • Roteiro: Gustav Möller, Emil Nygaard Albertsen
  • Elenco: Sidse Babett Knudsen, Sebastian Bull, Dar Salim, Marina Bouras, Olaf Johannessen, Jacob Lohmann
  • Duração: 99 minutos

Gustav Möller é um muito jovem (37 anos) diretor de cinema sueco que há sete anos assaltou uma parte do mundo com um filme aparentemente muito simples – Culpa fez tanto sucesso (inclusive no Brasil) que ficou na listagem de possíveis indicados ao Oscar de filme internacional, gerou um remake estadunidense estrelado por Jake Gyllenhaal e transformou-se em referência para o thriller dos últimos anos. Isso tudo até chegar seu filme novo, esse Filhos que estreia essa semana nos cinemas, e que na minha opinião é um filme bastante superior ao filme que lhe deu fama. Talvez mais discreto, e por isso mesmo também com um grau de eficiência bastante elevado, o filme novo é menos concentrado que seu sucesso anterior, mas que mostra que seu autor está interessado em histórias mínimas, que se ambientam em confinamentos. 

Sem abrir muitos spoilers (e esse é um daquele filmes que quanto menos se souber, melhor; não porque trata-se de um jogo de suspense intenso, mas porque dessa forma as camadas que se sobrepõem tornam a narrativa muito mais apetitosa), Filhos se passa exclusivamente dentro de uma penitenciária.  Eva é uma agente penitenciária que trabalha com muito profissionalismo e dedicação, até a chegada de um novo detento, alguém que claramente a perturba e que guarda uma ligação consigo mesma que o filme não se apressa em destrinchar. Em fogo baixo, o cozimento da produção acontece de uma maneira onde o espectador não consegue se livrar do que se vê, e em pouco tempo estará envolvido nos dilemas que a protagonista passa a apresentar em tela. 

Esse é apenas o segundo longa-metragem dirigido por Möller, e de forma alguma isso transparece no que assistimos. Existe mais do que experiência na condução narrativa, mas principalmente uma concisão rara nessa elaboração, que eleva seu trabalho. Porque pouco é submetido a análise para além do necessário; estamos diante de um jogo entre dois personagens que sempre se transforma e não resvala para outro lado do campo que não o dos acontecimentos frontais. Isso não é um condicionamento artificial conseguido pelo roteiro escrito a quatro mãos (as dele e de Emil Nygaard Albertsen), mas uma costura fina de alinhamento de eventos, que não saem do trilho, nem atropelam uma ordem natural cinematográfica, criando para Filhos um naturalismo em meio a tensão crescente.

Não é pouco o que é conseguido, não apenas porque falta experiência ativa ao diretor, mas porque mesmo cineastas com muitos anos de labuta falham ao tentar alavancar tantos elementos paralelos, e conjuntos. Acima de tudo, a atmosfera de Filhos é carregada de sentimentos mistos que vão sendo costurados contra a vontade de seus protagonistas, criando enfim um mosaico desesperado de dor e solidão, onde a amargura e a angústia coabitam os mesmos valores. A narrativa funciona enquanto thriller cheio de camadas, e enquanto um drama com uma visão desesperançosa a respeito das relações humanas e os dilemas que nos obrigam a ressignificar certezas. 

A dupla de atores centrais é um dos pontos que levam à complexa teia de Möller ser conduzida com os esperados sobressaltos e as mais profundas reflexões. Sidse Babett Knudsen é uma daquelas atrizes que já vimos algumas vezes (Clube Zero, A Corte), mas que a memória guarda mais o talento avassalador. No que deve ser sua grande interpretação até aqui, todo o mundo de sentimentos que nela habita passam diante de nossos olhos com límpida clareza, um trabalho de atriz inesquecível. Seu contraponto é Sebastian Bull (A Caça), cujo corpo é um convite à ameaça, e que igualmente desconstrói nossas impressões durante a projeção. Um trabalho tão superlativo que saímos da sessão com a impressão de que nada ali pode ser superado, tamanha a magnitude; isso tudo sem criar uma tessitura de artifício, quase em tratamento documental de registro corporal. 

É no trabalho de encenação, no entanto, que o cineasta apresenta as armas que sua equipe criativa elabora para equalizar Filhos em produto acima da média – bem acima. A claustrofobia conseguida pelo empenho de direção de arte e fotografia, que encerram os personagens em lugares cada vez mais incômodos, de espaço exíguo, é concebido através desse equilíbrio entre objetos de cena mínimos e enquadramentos que não se abrem à liberdade do olhar. Aos poucos, Möller carrega também o espectador para sua abordagem de encarceramento, tanto do físico quanto do emocional. É preciso coragem para exercer esse cinema de risco onde o espaço desaparece e sobram os muitos motivos para que as emoções estejam à flor da pele, prestes a provocar reações inimaginadas em público e personagens.

Um grande momento
O primeiro acordo 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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