Crítica | CinemaDestaque

Sem Ar

Questão de abandono

(The Dive, ALE, 2023)
Nota  
  • Gênero: Aventura
  • Direção: Maximilian Erlenwein
  • Roteiro: Maximilian, Erlenwein, Joachim Hedén
  • Elenco: Sophie Lowe, Louisa Krause
  • Duração: 88 minutos

Às vezes é bom ser lesado; prestar atenção em outros elementos, ou imaginar possibilidades remotas, muitas vezes realça os filmes, e transforma a experiência crítica em outra. A quem diz que, enquanto crítico, eu não deveria assumir isso, não me conhece. E porque, especificamente com esse Sem Ar, acho essa confusão particularmente boa para realçar outras possibilidades para o filme. Com a tal “revelação” que, para mim, só acontece na segunda metade do filme mas já está revelada em sinopses e possíveis trailers, fica a impressão de que o filme revela isso logo. Repito, para mim, tais informações do roteiro demoram a ser dadas. Isso melhora um tanto da experiência, que já é claustrofóbica por si só, mas que estando com a cabeça moldada para outro lado da relação das protagonistas, o título ganha um aspecto psicológico mais demarcado, além do horror já retratado.

O filme é o terceiro longa do jovem alemão Maximilian Erlenwein, que consegue realizar a complexa tarefa de manter o espectador em constante estado de exasperação, ao mesmo tempo em que desconecta a plateia dali para uma reflexão sobre o abandono – e isso é constantemente ressignificado em cena. Podemos dizer que Sem Ar depende muito do cenário marinho para explorar essa crescente tensão que se desenvolve há 300 metros de profundidade, em um cenário onde a tese paradisíaca se esvai rapidamente. Sim, filmado na costa de Malta, estamos diante de uma realidade cuja beleza parece infinita, inclusive nas profundezas do oceano. Mas a partir de certo ponto não há mais muito o que apreciar em cena, e o sentimento de desproteção começa a fazer parte de cada momento. 

Assim como no recente documentário De Tirar o Fôlego, Erlenwein consegue extrair o melhor proveito possível de suas condições, que ele leva do belo ao inóspito em questão de minutos. A diferença é que, em um trabalho ficcional, nenhuma imagem prévia tinha sido captada ali, que não para a criação do filme, o que só aumenta a beleza pelo que está em tela. Ao contrário do que a recriação digital faz, Sem Ar é tão assustador por tão possível, já que suas águas, sua textura e principalmente a sua cor são muito verídicas. Independente dos momentos de desespero e da necessidade de apagar tudo à volta das personagens, temos sempre muito palpável cada cenário em foco, cada expressão de suas atrizes – e isso é muito necessário, em um filme onde essa expressividade estará restrita a uma máscara de mergulho. 

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É um acerto o trabalho de som da produção, que com a adição de uma sutil trilha sonora, move Sem Ar aos abismos não apenas geográficos, mas aqueles que se fundem entre suas protagonistas, que lidam com suas questões quando precisam se separar uma da outra – hoje e no passado. São nesses momentos que o trabalho sonoro da produção, uma banda que mescla os acontecimentos imediatos, as memórias de cada uma e as eventuais alucinações, chama a atenção e permite ao espectador uma entrega coletiva. Estão lá May, Drew e todos que se conectaram à história de uma separação que começou anos antes, mas desemboca nessa viagem para um lugar que independe de sinais sonoros: o passado. 

São nesses momentos que Erlenwein demonstra que vai além do aspecto gráfico da ideia, e também se preocupa com um psicológico que não para de trabalhar. É quando toda a solidão provocada pelo abandono torna-se cada vez mais definidor de cada uma dessas vidas, que precisam de um resgate mais particular do que coletivo. Sem Ar é um desses títulos que não se fazia ideia da existência, até que fomos informados de sua estreia, e estranhamente isso não significa desconfiança. O talento de sua equipe é capaz de nos fazer mergulhar em muitos propósitos diante do imponderável que as aflige, mas que nada além de um acerto honesto é capaz de conduzir. Como se foram dois filmes acontecendo, existe a aventura desesperada do lado de fora e o desespero de conseguir um novo laço de conectividade com quem mais se ama. 

Um grande momento
O rosto de May pós-alucinação 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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1 Comentário
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Igor
Igor
03/01/2024 12:39

Gostei do filme. Agonia com a situação do inicio ao fim

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