Crítica | CinemaDestaque

Bugonia

Delírios, abelhas e alienígenas do algorítimo

(Bugonia, IRL, GBR, CAN, KOR, EUA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Yorgos Lanthimos
  • Roteiro: Will Tracy
  • Elenco: Emma Stone, Jesse Plemons, Aidan Delbis, Stavros Halkias, Alicia Silverstone
  • Duração: 118 minutos

Vivemos num mundo onde as teorias da conspiração já não estão sussurradas de forma envergonhada pelos cantos; viraram mainstream, combustível de política e entretenimento. Em Bugonia, Yorgos Lanthimos pega esse caos e o transforma em ritual, com dois primos sequestrando uma executiva porque acreditam que ela é uma alienígena. O gesto é absurdo, mas o absurdo é o ponto, o retrato de uma humanidade que, perdida em excesso de informação e falta de sentido, decidiu substituir crença por paranoia.

O título, bugonia, vem de um mito antigo que dizia que as abelhas renasciam do cadáver de um boi. Lanthimos, acostumado que é na reconfiguração de mitos, aqui o transforma: as abelhas são as ideias mortas que ganham nova vida. Cada teoria, cada fake news, cada desvario coletivo é uma abelha surgida da carcaça da razão. Do terraplanismo ao Ratanabá, dos reptilianos aos messias digitais, o filme não zomba de crenças, ele as entende como sintomas.

O isolamento, o medo e a promessa de pertencimento produzem monstros; pequenos grupos se tornam exércitos; a ignorância se converte em fé, e a fé, em violência. O filme acaba sendo uma fábula sobre um movimento, a vontade de acreditar em qualquer coisa, desde que ela traga a ilusão da verdade. E não foi assim que a extrema direita contemporânea ganhou toda a força que vemos hoje?

Visualmente, Bugonia é uma experiência desconexa: ora fria, ora orgânica, mas sempre buscando ser perturbadora. Lanthimos segue filmando o caos com simetria, e o ridículo com solenidade, embora mais afeito ao comum. A câmera, mais comportada, por vezes abandona sua uma liturgia do absurdo e os soluços de suspensão dão lugar a um nonsense que não precisa ser quebra visual. Entre a comédia calma e o horror seco, Emma Stone e Jesse Plemons encarnam criaturas que já não distinguem culpa de missão.

A maior força de Bugonia está na invenção de novas mitologias e na constatação de que, no fundo, já estamos afundados nelas. O roteiro constrói uma alegoria sobre fé e manipulação, mas é também sobre solidão. Todo conspiracionista é, antes de tudo, alguém que precisa acreditar que o mundo tem um plano. Lanthimos ri dessa necessidade, mas também a compreende.

Há, no filme, o desconforto de perceber que todos os personagens já estão condenados desde o princípio. Quando todos são vítimas e algozes de um mesmo delírio, o riso chega incomodando e a ironia acaba se misturando à compaixão. Como no mundo real, ninguém escapa da contaminação. E Bugonia, no final das contas, é sobre a falência da razão e a vitória do medo, mas também sobre a humanidade que insiste em procurar sentido, mesmo que precise inventá-lo. A abelha nasce do corpo morto do boi. E nós, talvez, das ruínas daquilo que um dia chamamos de verdade.

Um grande momento
A briga no jantar

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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