Crítica | Streaming e VoD

Suspeito X

Índia matemática

(Jaane Jaan , IND, 2023)
Nota  
  • Gênero: Policial
  • Direção: Sujay Ghosh
  • Roteiro: Sujay Ghosh, Raj Vasant
  • Elenco: Kareena Kapoor, Jaideep Ahlawat, Vijay Varma, Saurabh Sachdeva, Naisha Khanna, Shyam Gopal, Lin Laishram, Uditi Singh
  • Duração: 135 minutos

Não é comum que uma produção indiana obtenha êxito fora de sua zona de conforto por aqui. E o que seria esse lugar? Uma ideia pré-concebida de exotismo, que para qualquer outro lugar representaria justamente o diferente, e para eles se configura como o igual. Música que se mistura ao crime, que se mistura ao romance, que se mistura à comédia, em combinação que outras cinematografias penam para conseguir credibilidade, e com eles já se encontra pronta. Suspeito X é o máximo de ocidentalidade que já vi a Índia conceber anteriormente, e sua inclusão com sucesso na Netflix mostra que eles podem sim criar uma universalidade, caso queiram. Ainda que alguns elementos locais sejam incluídos, sua matéria-prima atenta a uma aceitação menos restrita – taí seu sucesso, talvez. 

Sujoy Ghosh dirige e roteiriza a produção, e a vida pregressa em Londres em sua formação talvez tenha contribuído para esse olhar que atente para um gosto onde o exótico, aqui em Suspeito X, seja uma pitada e não o ingrediente principal. Não é como se estivéssemos assistindo a uma produção estadunidense comum, mas também se afasta de uma lógica local de ambientar uma narrativa, e estruturar sua mecânica. Em transposição geográfica, pouco precisaria ser mudado para se adequar esteticamente a um outro ambiente. E em termos de Cinema, estar sempre dispostos a alguma experimentação e uma abordagem rejuvenescida para contar uma história, é uma saída para manter o interesse por seu desenvolvimento. 

Suspense investigativo que parece se fortalecer pela matemática de sua criação, mas é justamente essa matéria que engrandece a narrativa de Suspeito X. Seu protagonista é um matemático que se aventura por transformar o quadro apresentado em possível fórmula a ser decifrada, e com isso aplicar à vida códigos mecânicos que a tornem modificável, onde o destino pareça modulado. Sabemos como a lógica de um desígnio como o destino é de aprofundamento crítico local de suas normas, e o que esse personagem deseja fazer, ainda que em segredo, é ser o senhor de modificação da vida de quem a ele interferir. É mais uma ideia de subversão da cultura indiana que o filme sutilmente se apropria e reinterpreta, sem negar sua importância e base. 

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Seus personagens centrais são construídos para moldar essas ideias de subversão assim como é feito com a narrativa, e suas atitudes nem sempre obedecem à lógica natural das coisas. Isso provoca uma estranheza que nem sempre é positivada, como a adolescente que acompanha a mãe em um crime, e não tem qualquer problema posterior com isso, independente de sua consciência. Também a personagem de Kareena Kapoor passeia com desenvoltura por um esquema que privilegia mais o andamento do roteiro do que sua construção dramática, e isso provoca alguns ruídos de análise, onde Maya pareça menos conectada ao que está acontecendo. O andamento da trama não sugestiona Suspeito X a emperrar seus eventos, mas exatamente as personagens carecem de polimento que conduza alguma delicadeza. 

Quando parece seguir, enfim, uma ideia que tenhamos compreendido e conseguido decodificar, é o momento onde Suspeito X decide então brincar com suas lógicas internas, não para deturpá-las (o que é sempre infeliz para qualquer projeto), mas sim dar cabo de seu alicerce matemático. Seria fácil exemplificar tal situação como um plot em cima de outro, mas o que o roteiro – e provavelmente também o livro em que se baseia, de Keigo Higashino; sim, é uma história originalmente japonesa, o que faz ainda mais sentido ao sentido de estruturação – constroi é um jogo onde o protagonista se coloca como agente maior aos eventos, causador deles. Como um professor de uma matéria exata obcecado com suas curvas, o filme também absorve o que é do seu personagem para o interior da estrutura de seu roteiro, aí sim motivando um desfecho que acrescenta elementos a ele. 

Ao desenhar um protagonista que reside nas sombras de seu conhecimento, que tenta sair de sua escuridão por um chamado da vida e se vê constantemente tragado por fórmulas que precisa decifrar, Suspeito X nos apresenta a um personagem maior que a obra. Ainda que estejamos diante de um programa de satisfação garantida, com ritmo ágil e soluções criativas para sua dinâmica de narração, é o professor quem dita para quais lados trafegam nosso interesse. Independente do trabalho de Jaideep Ahlawat, sempre acertado, é mesmo o cuidado de sua construção narrativa que chama atenção, e revela os trabalhos de Ghosh e de seu artesão inicial, Higashino. 

Um grande momento

A luta entre mestre e aluno

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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1 Comentário
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Alexandre Figueiredo
Alexandre Figueiredo
24/11/2023 19:40

Gostei do filme, vale uma conferida. Recomendo.

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