Crítica | Cinema

Os Rejeitados

Mais fortes juntos

(The Holdovers, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Alexander Payne
  • Roteiro: David Hemingson
  • Elenco: Paul Giamatti, Dominic Sessa, Da'Vine Joy Randolph, Carrie Preston, Brady Hepner, Ian Dolley, Jim Kaplan, Michael Provost, Andrew Garman, Naheem Garcia, Stephen Thorne, Gillian Vigman, Tate Donovan
  • Duração: 133 minutos

Entrar em Os Rejeitados é como voltar ao passado, não exatamente vivenciado, mas que se tornou mais do que familiar e próximo justamente pelo cinema. Em seu novo filme, Alexander Payne resgata texturas, cores, ritmo e nos leva a lembranças de assinaturas queridas, mas sem jamais deixar de se fazer presente – no presente —, em afinidade temática, e em estilo. Há marcas nítidas de sua autoria, no tempo que dedica à história e, em especial, a cada um dos personagens que habitam aquele universo. 

É época do recesso de fim de ano e um grupo de alunos fica na escola porque não tem para onde ir, entre eles, o problemático Angus. O professor responsável é o ranzinza Paul Hunham, enquanto a cozinheira é Mary, uma mulher em luto. As personalidades dos três vão se revelando aos poucos, difusas entre todos os eventos pré-natalinos, e de maneira cada vez mais profunda à medida que os três se veem sozinhos para o Natal e o vínculo se torna uma realidade.

A dinâmica que se estabelece entre eles dá força a um filme que cresce à medida em que as conexões se estabelecem e as especificidades de cada persona encontra no outro seus complementos. A trinca de atores é fundamental para que a trama funcione pela compreensão dos limites e da naturalidade necessária àqueles papéis. A habilidade de Alexander Payne na condução de atores é reconhecida e ele ter no set Paul Giamatti, Da’Vine Joy Randolph e o jovem Dominic Sessa, todos em excelente forma, encontrando o ponto certo entre a soma de suas melancolias e a doçura dolorida no modo como se acolhem.

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Apostando na ironia fina, o drama que se apresenta nunca deixa de lado o humor, assim como o ritmo faz questão de capturar a monotonia que toma conta daqueles dias à espera de um acolhimento que nunca chegará efetivamente para além daquele ambiente e daqueles novas relações. Sentimento, aliás, que marca o cotidiano e a personalidade de Hunham de maneira mais evidente assim que ele se apresenta, na sua dificuldade em lidar com aqueles que o cercam e na casca ranzinza que ele criou para se proteger. São sentimentos e disfarces sociais que também estão presentes em Angus, o bom aluno que se apresenta rebelde, e Mary, consumida por uma ausência que se transfigura em dureza.

Os Rejeitados fala de possibilidades de transformação em um caminhar lento, olhando para o amadurecimento, o autoconhecimento, o perdão e o passar do tempo. Ao assumir sua trinca, há o vislumbrar de um futuro mais óbvio e inevitável, e há também transformação. O roteiro assinado por David Hemingson, um especialista em séries e telefilmes, volta ao passado, explora traumas, frustrações e amarra esses eventos de forma orgânica e natural, dando ênfase às relações e aos diálogos.

Payne sabe como integrar tudo isso à sua disposição no passado, onde o tempo das coisas ainda era outro. A fotografia de Eigil Bryld (Na Mira do Chefe), a trilha de Mark Orton (Nebraska) e o desenho de produção de Ryan Warren Smith (Sala Verde) são imprescindíveis para isso. Ali está o diretor trazendo o sentimento, construindo a história que ele quer, do jeito que lhe é habitual, mas também está todo um momento do cinema que se homenageia e que traz o espectador para esse lugar de conhecimento e conforto. Não só pela estética, mas pela identificação.

E, acima de tudo, há Giamatti em mais uma atuação inesquecível que alcança sentimentos diversos, como amargura, humor, vergonha, orgulho e tantos outros sem nunca parecer forçado ou fora de contexto. Além de estar bem acompanhado de Randolph e Sessa com seus personagens carentes e vulneráveis.

Sensível e tocante em seu retrato sobre sobre a solidão, a amizade e a busca por pertencimento em um mundo muitas vezes cruel e indiferente, Os Rejeitados faz pensar. Se o ritmo não é dos mais convidativos, a temática e o modo como trabalha com temas tão identificáveis fazem com que o filme consiga agradar a muitos e, mais, emocionar quem entregar a ele.

Um grande momento
No ginásio

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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