Crítica | CinemaDestaque

O Acidente

Tensionando o drama

(O Acidente , BRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama, Suspense
  • Direção: Bruno Carboni
  • Roteiro: Bruno Carboni, Marcela Bordin
  • Elenco: Carol Martins, Luis Felipe Xavier, Carina Sehn, Gabriela Greco, Marcelo Crawshaw
  • Duração: 90 minutos

O que instiga em O Acidente é o compasso de espera que ele nos coloca, praticamente do início ao fim. Com uma abertura explosiva e angustiante, é em torno dela que as relações do longa irão se estabelecer, mesmo as que já existiam antes do evento-título. Tudo é formulado e reformulado a partir de algo que poderia ser banal, mas que adquire ares de eterna insegurança que o roteiro carrega consigo. Isso é uma verdade que o filme empresta à sua estrutura: o conflito está prestes a acontecer, então o espectador não cessa seu estado de tensão. É um conceito interessante para estabelecer uma parceria com quem está em poder da direção; tudo poderá ser feito em cena, e qualquer coisa é sinônimo de catarse. 

Bruno Carboni (qualquer semelhança é mera coincidência, até que se prove o contrário)não parece um estreante em longas, pois tem muita confiança no que irá controlar em cena. São uma hora e meia onde, efetivamente, estaremos nas mãos do diretor, que nos induz a continuamente esperar um próximo conflito, que será ou não concretizado/definido. O Acidente tem a inteligência de se divertir conosco, de provocar sentimentos muito baixos e contraditórios, porque nosso olhar procura o passo seguinte ávido pelo desenvolvimento. E o que o diretor e sua co-roteirista Marcela Bordin fazem é nos testar até o limite que também eles decidem. Estamos em uma situação desconfortável, esperando eternamente as cenas de um próximo capítulo. 

A sagacidade do projeto é nos capturar por essa zona cinzenta rumo a uma construção de personagem central que está nesse mesmo lugar que nós, e Carboni não desfaz do que ela sente, e do que nós estamos sentindo; ele acrescenta camadas, inclusive ao apreço pelo espectador. Caminhamos paralelo a Joana, a moça que sofre uma violência tão inacreditável quanto típica dos dias de hoje. Sua existência inteira muda a partir desse evento, em todos os sentidos, e muitas dessas mudanças serão geradas por um desejo da própria em descobrir lados que ela não conhece em si mesma. Graças ao combo que O Acidente promove, nós queremos conhecer Joana, ajudar Joana, entender Joana, e eventualmente, estaremos no lugar dela. A fruição do jogo é intensa, e permite que passemos por muitas fases juntos, inclusive uma apreensão por algo que nos escapa. 

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O trabalho de Carol Martins é indispensável para que estejamos nesse idêntico campo, monitorados pelo diretor e reféns de um manancial de descobertas. No corpo de Joana, Martins eleva a ambição do jogo, que é refeita a cada nova freada à desestabilizá-la. Seu trabalho não é nada comum, e sua entrega é tão profunda que sentimos junto a ela os cenários cheios de cristais por onde ela precisa caminhar, sem quebrar nenhum. Do início ao fim, está a cargo dela exibir a fragilidade diante do que Carboni propõe, porque Joana não espera os novos lances; nós idem. A atriz, que faz parte do jogo, está tão vulnerável, que muitas vezes nos pegamos pensando se ela não está encenando ao vivo o que vemos. Seu corpo explora o ineditismo pelo qual passa Joana, e nos convence em absoluto sobre o desconhecimento que tem diante de um futuro que só fica cada vez mais nebuloso. 

O Acidente não chega a se classificar como um filme de suspense, mas à medida que desconhecemos cada novo desenrolar, nos cabe fruir a delícia que é não ter conhecimento. A sequência que segue à dança da comemoração de Joana e sua esposa, é um daqueles casos onde a montagem precisa ser dissecada, em trabalho primoroso de Carboni e Germano de Oliveira. É com sequências assim que o filme ultrapassa as linhas do cinema de gênero para divertir com um quadro bastante agudo de situações. É por conta dessa mola propulsora que, apesar dos entraves que vez por outra o inchaço de eventos provoque no mote, ainda sigamos confiante nos resultados apresentados. É uma armadilha criada com engenhosidade, do qual nos deixamos levar. 

Os últimos 15 minutos de O Acidente é daqueles momentos onde entendemos quem se envolva de tal maneira a ponto de relevar os inchaços já citados, as pontas soltas que ferem o roteiro e o bastante irregular Luis Felipe Xavier. Isso porque parece um caminho para a elevação do que já estava bastante alto, e a redenção do que estava por baixo; em sua última cena, surge um ator em Xavier. No plano final, temos o rosto de Carol Martins, sua ação e só – ali estão as respostas perseguidas durante o filme. A sensação de que o indivíduo só age na iminência de perder, e segue sofrendo por uma inércia fatal.

Um grande momento
A cena final

[12º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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