Crítica | Festival

Agressor

Pele e sangue

(Perpetrator, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Jennifer Reeder
  • Roteiro: Jennifer Reeder
  • Elenco: Kiah McKirnan, Melanie Liburd, Ireon Roach, Alicia Silverstone, Christopher Lowell, Sasha Kusnetsov, Casimere Jollette
  • Duração: 100 minutos

Jennifer Reeder realiza filmes de construção atmosférica ainda mais evidente do que o tratamento de roteiro costuma apresentar, e isso não se configura como um problema, exatamente. Se Knives and Skin essa certeza não conseguiu elevar o quadro geral, aqui em Agressor o pensamento é definitivamente abolido, para que eleve ao olhar o que de poderoso tem a elaboração de cada plano. Como em grandes filmes, o que está sendo contado é bem menos relevante do que nossa experiência visual na direção da obra, sendo constantemente substituído sua ideia em seus esforços mecânicos. O que está em elaboração aqui é uma ideia de imersão diante de nossa imaginação, e do tanto que criamos para retirar o fetiche do gênero por seus códigos, deixando apenas o essencial.

E o que é o essencial em um filme de gênero? A jornada ou a imagem? Como já dito, Agressor é um filme que lida com uma base até bem retorcida, que chega até o público final com um sabor já sentido antes, mas que Reeder com tanta cara de pau, que passa a ser a levada da produção. Existe uma área meio safada por trás do que estamos vendo, como se algo muito ordinário houvesse brotado daquele caldeirão de elementos. São temperos de tantas categorias, que acaba por criar uma salada por vezes até indigesta, mas que não há como negar sua suculência. O espectador que não se importar com as texturas imagéticas apresentadas que se equiparam a títulos saídos de uma prateleira de videolocadora dos anos 90, terá recompensas bem interessantes. 

Agressor é um filme de linhagem feminista que propõe a união em torno de um propósito comum, no caso reafirmar o poder feminino presente em cada uma de suas personagens, e em como isso é realçado através da sentido coletivo. A produção acompanha um grupo de mulheres da mesma família que mutuamente se cuidam através dos tempos, e tentam burlar a interferência do macho em seu universo. Por falar nos exemplares, pois bem: nenhum presta aqui, mas nem minimamente. Dos que parecem inofensivos e prestativos, até os que representam o Mal de muitas formas, não há escapatória para um embate que até pode ser adiado, mas se mostra inevitável. Não tem a ver, na teoria, com aquela ideia de “todo homem não presta”, mas sobre a forma como a cabeça do macho está induzida a esse discurso predatório. 

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Faltaram apenas os sintetizadores na trilha sonora para que o ambiente de 1980 fosse ainda mais manifestado na concepção de imagens e combo narrativo empregado aqui. Reeder já flertava com essa ideia a partir de outros trabalhos, e aqui tudo parece estar caminhando para vermos nascer uma representante desse lugar, que não apenas é ligada à época como também a reverencia nos trabalhos. Agressor passeia pelo ‘slasher’ com a desenvoltura de quem conhece tão bem as etiquetas que pretende observá-la com as tintas de um ‘giallo’ desconstruído; se trata de uma homenagem a muitos cineastas que flertaram com esse cinema, mas a diretora sabe que sua voz é dissonante. Essa diferença não está checada nos detalhes da trama, mas em como sua voz alcança diferencial a partir do momento em que tenta pincelar um futuro de imagens. 

Incluindo as interpretações afetadas e não-naturalistas, tudo em Agressor contribui para um quadro de apresentação ‘kitsch’, que cabe na elaboração desse filme especificamente. Não estamos diante de um título mediano que se proponha a sobrepor suas estratégias de mercado em prol de uma aproximação com o espectador, mas tentando o extremo oposto. A radicalidade do que vemos na visão de Reeder sobre o cinema de gênero não passa apenas pelo que ela faz de narrativo, como a providencial união entre as mulheres, mesmo as que não se gostam, em torno de uma ideia comum de sororidade. Sua conexão com um cinema que não faz concessões gráficas e assume uma ideia de falso o tempo todo está impressa na tela, o que eleva o que estamos vendo para fora de um lugar de conforto; o desconforto estético é a moeda de troca. 

Um grande momento
O mergulho do assassino

[12º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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