Crítica | Streaming e VoD

O Mistério de Maya

Drama e horror

(Take Care of Maya , EUA, 2023)
Nota  

De vez em quando, um dos muitos documentários sobre casos criminais norte-americanos que a Netflix vem produzindo merecem uma análise crítica, e quase nunca encontramos sinais de qualitativo cinema por trás desses títulos. Muitas vezes são apelativos, usam de táticas antiquadas como dramatização em menor ou maior espaço dramático, e ainda que contem histórias interessantes que precisam encontrar voz exterior, não se sustentam em suas alegações de cinema. O Mistério de Maya estreou semana passada, está entre os mais vistos da plataforma desde então e demorou para chegar aqui no site apenas porque nossos esforços estavam focados no Olhar de Cinema 2023. O que esse título tem de diferente e que está nos levando a jogar-lhe luz é a forma como justamente engendra suas ações. 

A coisa mais óbvia ao analisar uma obra é distanciar nossa emoção mais latente do que o filme está mostrando de fato, o que o constitui enquanto potência cinematográfica. O Mistério de Maya nos desafia nessas questões, porque o grau de irresponsabilidade e desumanidade aplicado no caso em questão ultrapassa alguns graus de aceitabilidade. E o filme faz com que o espectador passeie pela narrativa como se estivesse em um labirinto, e isso não poderia ser mais positivo numa produção como essa. Estamos sempre diante de manipulação emocional de baixo escalão nessa seara, mas aqui algo mais consistente é conseguido, quando o filme desenha inúmeros fatores divergentes que podem apontar resultados distintos no olhar sobre o caso. 

Lógico que, um documentário sobre algo noticiado pela mídia, antes mesmo de conferir a narrativa disposta em O Mistério de Maya, provavelmente as respostas estarão à disposição de um clique no Google. Desaconselho em absoluto a tentação de burlar o que o filme dispõe a contar a quem não conhece a história dos Kowalskis, porque a direção de Henry Roosevelt (um ator de formação, que esteve em A Rede Social) dissemina uma inteligente leitura sobre o que é conseguido na tela, através de uma montagem das mais interessantes de títulos recentes como esse. O filme não tenta enganar o espectador, mas sabendo que o resultado de seu olhar e da conclusão final pode confirmar o que aponta desde o início, o espectador fica diante de um quadro de indecisão que eleva o material. 

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O Mistério de Maya
Netflix

A história de Maya, suas estranhas internações médicas, sua doença de pouca divulgação e o histórico excessivo dos pais, principalmente de sua mãe, poderiam comparar o que é visto aqui com algo como The Act, a minissérie que retrata a história real de uma relação abusiva entre mãe e filha e a tentativa da primeira em sobreviver às custas de algo também misterioso. Mas creio que o desenvolvimento de O Mistério de Maya constrói uma situação mais engendrada do que na história de DeeDee e Gypsy Blanche, ao menos para quem acompanha aqui no tempo real do filme. Existe a emoção sobre como famílias inteiras são destruídas por questões semelhantes e que o filme acompanha de perto, mas ainda há o que particularmente afetou Beata, Jack e seus dois filhos. 

Roosevelt joga na imagem pontos de contato visual que distanciam sua obra de um produto banal para a televisão americana, como o foco nos crucifixos, e a desconstrução de seus personagens, que passam de heróis a vilões e vice-versa, ao simplesmente corrigir alguns focos do plano. Não é o suficiente para indicar O Mistério de Maya ao próximo Oscar da categoria, mas ultrapassa com facilidade a caçamba de novidades do gênero da Netflix. E é talvez por perceber que existem camadas na imagem, no lugar de construção tanto de sua emoção quanto do papel que pode exercer a obra em uma não-facilitação de objetificação de seus gatilhos fílmicos, que talvez o filme nos emocione tanto. Definitivamente algo de diferente está em sua constituição, imageticamente e na ideia em si, que remete somente a filmes de horror dos mais perversos. 

Um grande momento

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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1 Comentário
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Maria Marise
Maria Marise
24/06/2023 16:34

É horrível não ter tido tradução ou dublagem em muitos momentos cruciais!!! Não consegui ir até o fim por isto! Minha língua-pátria é o português.

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