Crítica | Streaming e VoD

Vítima x Suspeita

Horror quadrado

(Victim/Suspect, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Nancy Schwartzmann
  • Duração: 93 minutos

Esses documentários da Netflix, todos produzidos para a crescente legião de fãs de produtos de ‘crimes reais’ que ela mesma fomentou, tem pouca diferença entre si. A estrutura de todos é bem parecida, com um certo espaço para a dramatização, um apelo jornalístico à rotina de seus envolvidos, muitas ‘cabeças falantes’, e quase nenhuma invenção estética. É o que o espectador a quem eles são destinados querem, então não se mexe nesses times que estão vencendo, em tese. Vítima x Suspeita chegou ontem e prova esses dados, deixando o espaço reservado para a narrativa em si, apenas ele, ser inédito. E muitas vezes nem isso, mas aqui estamos diante de uma preocupação coletiva que gera verdadeira curiosidade. 

A jornalista Rachel de Leon é a costura pelos casos, depois de investigar situações de estupro onde a vítima terminou sendo acusada de falso testemunho, e presa. Em suas pesquisas, Rachel descobre que isso acontece em quantidade incomum nos Estados Unidos e decide ir até algo parecido com a verdade – aquela que jamais teremos, de fato. O que torna Vítima x Suspeita interessante são esses dados sistêmicos, de delegacias diferentes em torno de um país que têm práticas semelhantes, quase como se fosse um ‘modus operandi’ difundido internamente. Se é interessante, não deixa de ser ainda mais horrível que mulheres vítimas de violência sexual estejam constantemente precisando provar que falam a verdade. 

Vítima x Suspeita
Netflix

Dirigido por Nancy Schwartzmann, não é preciso ir muito longe para perceber que o viés de Vítima x Suspeita é feminista, mesmo que a palavra não seja utilizada em nenhum momento do filme, e que um personagem masculino dentro da polícia tenha papel fundamental. Esse é daqueles registros que nem precisam de detalhamento para entendermos o quanto de horror segue essas mulheres, e o quanto de negativo isso ecoa em suas vidas, com consequências fatais, muitas vezes. Sem excessos dramáticos, o filme trata o assunto sem paternalismo, apenas mostrando o tanto de desmandos cometidos em nome de algo parecido com comodismo. Se não entendemos a proteção às figuras públicas de cada cidade, o que justifica a falta de investigação que descubra o envolvimento de tipos banais? 

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Vítima x Suspeita
Netflix

É aí que o filme mostra como o machismo não protege apenas os seus, mas qualquer figura do gênero masculino, independente do grau de ligação. Mulheres são desacreditadas e têm suas vozes apagadas, mesmo que isso signifique suas mortes, a longo prazo. Quando em Vítima x Suspeita vemos um curso de capacitação policial para lidar com casos de violência sexual ser ocupado majoritariamente por homens, não há outro pensamento que venha a cabeça que não o da continuidade do que já é padrão, mesmo que os rostos denotem outro olhar. As soluções que as cartelas mostram que foram conseguidos para cada caso deixa claro que a mudança depende de muito mais do que a formação de nova força investigativa, mas de todo um processo que mude também o sistema penal. 

Infelizmente, Vítima x Suspeita não oferece nada, do ponto de vista cinematográfico, que justifique uma análise menos cartesiana sobre como ele é. Como já dito lá em cima do texto, nada é feito para mostrar inovação ou mesmo um movimento de diferença dentro do que vemos. Isso quem faz são as narrativas, porque o formato está em paz com seu engessamento, e daí cada espectador irá se envolver mais ou menos com cada assunto, dependendo de suas inclinações. Passa longe do ideal, e brevemente o gênero encontrará exaustão diante do público, que é a quem esses produtos são exclusivamente destinados. Enquanto isso não acontece, uma produção como essa nos leva ao menos a pensar sobre o estado social das coisas, em falência de valores a velocidades alarmantes. 

Um grande momento

O ex-policial declara os motivos para seu envolvimento

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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