Crítica | Streaming e VoD

Círculo de Espiões

O bom humor salva

(Khufiya, IND, 2023)
Nota  
  • Gênero: Policial
  • Direção: Vishal Bhardwaj
  • Roteiro: Vishal, Bhardwaj, Rohan Narula
  • Elenco: Tabu, Wamiqa Gabbi, Azmeri Haque, Ali Fazal, Navnindra Behl, Atul Kurkani, Alexx O'Nell, Shataf Figar
  • Duração: 150 minutos

O que é melhor (ou menos pior): assistir a um filme fraco, sisudo e cheio de empáfia, ou se divertir a valer com uma produção cheia de problemas, mas que se sabe que precisa apostar na diversão sem compromisso para continuar funcionando? Eu aposto sempre na segunda opção, e é justamente esse o lugar onde está Círculo de Espiões, que estreou na Netflix sem fazer muito alarde, mas que se vale de um descompromisso gradual que coloca as expectativas do público em seu lugar real. Com mais de duas horas e meia de duração e uma trama que não imaginamos, em determinado momento, onde até pode chegar, o filme consegue resolver suas questões de limitação narrativa para simplesmente divertir quem ficou na frente da tv por tanto tempo. 

Com mais de 20 anos de carreira e experiência larga em todo tipo de formato, Vishal Bhardwaj comanda Círculo de Espiões como quem vai a um parque de diversões – um indiano, lógico. Enquanto o filme se apresenta, vamos tentando encontrar lógicas e um sentido de responsabilidade entre o que os personagens são e o que fazem; não há. Ou melhor, existe uma desproporção cada vez maior entre ação e reação, não que elas cresçam e sejam cada vez mais enfáticas, a ideia é justamente o oposto. Tudo que está em cena não parece corresponder ao que deveria nem na lógica particular da obra, e o melhor a ser feito é simplesmente relaxar e perder qualquer ideia de racionalidade geral; mais uma vez, não há. 

E quanto mais rápido o espectador perceber que isso não é necessariamente algo negativo, que não devemos negativar uma produção tão divertida, ainda que pelos motivos não esperados, melhor. Círculo de Espiões é um arremedo aos trancos e barrancos de Missão: Impossível, com direito a trilha sonora que remete aos clássicos acordes de Lalo Schifrin. A trama é impossível de ser resumida, porque envolve tantos anos, recortes temporais entre idas e vindas, e personagens em quantidades infindáveis, que o melhor é curtir o que é apresentado sem cobrar coerência. Não há definição das personalidade de personagens com a qualidade que se espera de um título com tantos desdobramentos, ainda que o filme se dedique a eles; muitas vezes é só uma massa disforme que passeia pela tela a desempenhar funções de ação mesmo. 

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Os quadros parecem ser abertos sem muito cuidado, e são desenvolvidos (ou deixam de ser) ao bel prazer do roteiro, que amplia seu olhar sobre os núcleos mais ou menos na força das circunstâncias. Isso poderia ser apresentado com propriedade pelo roteiro, mas o que vemos é um grupo sem direcionamento, quase como em um resumo de telenovela. Seus personagens crescem ou diminuem de acordo com a eventualidade que o momento peça, e isso implica em uma situação ambígua. Tal qual uma novela, Círculo de Espiões poderia se beneficiar desse escalonamento em blocos, mas o que é apresentado não passa de um rascunho do que poderia acontecer. Se a intenção era criar essas camadas de narrativa em camadas, o resultado obtido demonstra que não foi conseguido alcançar seus intentos. 

Quanto mais rápido for percebido que a saída para Círculo de Espiões é não levar a sério o que está acontecendo, melhor é a maneira como você passará as horas seguintes. São tantas inserções erradas de comportamento, tantas fraudes que poderiam ser facilmente solucionadas em uma revisão básica, que não resta outro pensamento que não o da busca pela comédia deliberada em cada nova virada. A partir desse momento da percepção, a diversão passa a correr solta, sem que possamos encontrar um respiro para deixar de rir do que está em tela. A montagem absurdamente desregulada, que não compreende que os espaços não conseguem se fortalecer nos respectivos tempos, sustenta a sensação de comicidade ininterrupta. 

O que fica de valor positivo mais aparente sem apelar para o deboche descontrolado, é a forma como o filme coloca três protagonistas em cena que decidem seus próprios destinos. Ainda que não investigue a contento o olhar LGBTQIAPN+ que está inserido no roteiro desde o primeiro encontro entre duas delas, e o filme desenvolve essa situação em terceiro plano, não há como negar o avanço social de acompanhar esse arco à parte. Seria um campo aberto para introduzir muito mais do que representatividade em cena, mas Círculo de Espiões têm muitos interesses não desenvolvidos; a comédia, ainda que involuntária, acaba sendo uma resposta a um filme cheio de problemas. 

Um grande momento

Charu quer ir embora, Ravi não

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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1 Comentário
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Alexandre Figueiredo
Alexandre Figueiredo
22/01/2024 23:12

É o primo pobre de Missão: Impossível.

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