Crítica | FestivalMostra SP

Nova Ordem

Quando o alto do muro é um fio de navalha

(Nuevo orden, MEX, FRA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Michel Franco
  • Roteiro: Michel Franco
  • Elenco: Dario Yazbek Bernal, Patricia Bernal, Diego Boneta, Analy Castro, Fernando Cuautle, Mónica Del Carmen, Ximena García, Naian González Norvind, Claudia Lobo, Roberto Medina, Eligio Meléndez
  • Duração: 88 minutos

Michel Franco é um dos cineastas mais odiados pela crítica na atualidade. Os argumentos são aqueles de sempre, “o homem malvado que assume a misantropia pra maltratar seus personagens e despejar um total de zero propósitos para tal argumento”, que o faz companheiro de Michael Haneke, Lars Von Trier, Andrei Zvyangintsev, Ruben Östlund, Yorgos Lanthimos (e praticamente todos os gregos), entre outros. Depois de Lúcia foi acusado de incitação à violência gratuita, sadismo, machismo, apologia ao feminicídio, entre muitas outras coisas. Tenho de reconhecer, é uma fatia da crítica ruidosa , e nesse Nova Ordem, o diretor mexicano não parece disposto a pegar mais leve.

Existem possibilidades de olhar para seu filme que saiu do recente Festival de Veneza com o Grande Prêmio do Júri (espécie de segundo lugar) e encontrar vazão a esses argumentos, porque na ânsia de denunciar o ciclo sem fim de desajuste social e ao abismo de classes que leva ao caos, à anarquia organizada e a violência institucionalizada, Franco escolhe não tomar partido e apontar o dedo para todos os lados da pirâmide, como se denunciasse que a serpente está engolindo o próprio rabo até desaparecer. Mas ao fazer essa escolha deliberada de permanecer isento à discussão que aborda, ele acaba sim instituindo vítimas e algozes, através da indumentária do próprio cinema.

Nova Ordem, de Michel Franco (MostraSP)

Ora, o cinema é a arte da imagem, não é mesmo? O extra campo precisa ser muito bem contextualizado para se permitir ir além da subjetividade que não dê margem a julgamentos morais vagos. Logo, o que Nova Ordem apresenta em composição imagética são dois grupos de antagonizantes, um que invade, destrói, corrompe a normalidade, rouba sorrindo, mata com tiros na cabeça, abusa sexualmente e estupra, e o outro são as vítimas que sofrem todo esse tipo de atrocidade, sem tons de cinza, é tudo preto ou branco. Logo, é fácil para o espectador se posicionar a respeito dessas imagens, certo?

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Mas o que Franco busca não são os lugares óbvios do cinema moderno, e sim a manutenção do status quo social do discurso político da velha política – essa ironia do título funciona, não há nada de novo no jogo social que o filme apresenta, é a mesma ordem pré-estabelecida de sempre, disfarçada de nova e que trucida minorias com máscaras renovadas, além do uso indiscriminado da mão de obra mais barata do mercado para satisfazer seus poderes, que continuarão nas mesmas mãos. Ao não criar um background para a criação de sua distopia (a “nova ordem”), o diretor coloca sobre o oprimido o véu inquisidor e promove uma perigosa geléia geral.

Nova Ordem, de Michel Franco (MostraSP)

No entanto, essa é justamente a sua intenção – estar em cima do muro enquanto observa a carnificina se instaura. A isenção revela o fascimo?, e se revela, é de responsabilidade da obra identificar os pontos positivos e negativos de sua narrativa?, ou mesmo definir lados quaisquer que sejam. Franco está provavelmente contra tudo isso que está aí, e aqui o caso parece ser literal: estão errados todos, ricos, pobres, militares, civis, revolucionários, pacifistas, o governo e a classe trabalhadora, não há um bom lado quando a escolha é pela desordem e todos sairão perdendo, sem concessão. Em tese, é um argumento ousado que poderia ser defendido para olhar todos os lados do leque, mas ao escolher o que não tratar no plano narrativo, Franco toma o partido que acha que não estava tomando.

Mais uma vez, seu cinema é tomado de assalto pelo impacto visual e, aqui, também por uma discussão política que pode ser ainda maior do que o filme abrigaria, mas inadvertidamente conseguida pelo filme. Não há inércia em Nova Ordem, porque o filme nunca se assenta, é uma busca constante de reverberar ideias contra tudo e todas e coisas. Mas, ao ser contra tudo, o filme passa a aprovar todos os seus atos, todas as suas licenças e criar falas nocivas mediante o que escolhe não mostrar. Na ausência da moldura de seus núcleos sociais, de desenvolver contradições dentro de suas cercanias particulares e abriga-los debaixo do mesmo guarda-chuva, o filme corrobora sua violência injustificável. Se não ela, o quê, Michel?

Um grande momento
“Preciso internar Elisa”

[44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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