Crítica | Festival

Os Ruminantes

Um filme maldito

No cinema não faltam histórias de filmes que nunca foram finalizados. Por aqui, há uma curiosa sobre o longa A Hora dos Ruminantes, obsessão de um dos maiores cineastas do país, Luiz Sérgio Person. O título de maldito saiu da boca de Carlos Reichenbach, e não sem motivo. Os percalços enfrentados pela produção foram enormes, de abandono de produtor na última hora a uma colossal enchente que matou animais e acabou com a locação, sem falar na interferência estadunidense. Quase tudo está no documentário de Tarsila Araújo e Marcelo Mello, Os Ruminantes.

Para falar sobre o longa baseado na obra homônima de José J. Veiga, a dupla traz o roteirista Jean-Claude Bernardet, o assistente de direção Sebastião de Souza e a filha do realizador, Marina Person, além de resgatar antigas entrevistas do próprio diretor. O que existe de material do filme é muito pouco. A maior parte é textual: o argumento, fragmentos de roteiro, matérias e esses testemunhos de quem viveu de perto a obsessão do realizador e as muitas idas e vindas de um filme que não se realizou.

O documentário que quer contar essa história entende que não basta se restringir ao filme não feito, é preciso compreender quem foi Person, em suas ideologia e persistência. Os arquivos entram para completar a imagem do realizador e, também, de eventos específicos. Suas obras misturam-se a outras que com ela se relacionam, como construindo o ambiente – sentimental – onde A Hora dos Ruminantes aconteceria, recriando motivação e interesse.

Ao partir para a obra em si, Araújo e Mello buscam outras imagens fazendo com que as lacunas sejam preenchidas por imagens que ultrapassam a intenção original e se transformam – e transformam o filme em outra coisa – ao fazer sentido para eles. São Imagens buscadas em arquivos recuperados de outras obras, num processo de ressignificação, redescoberta e recriação.

Mais do que dar vida a um filme, Os Ruminantes fala da obsessão e das decepções de um homem, e de como uma obra impactou sua vida e sua carreira. Se há uma certa inventividade criativa por um lado, há uma amarra tradicional por outro, mas a história contada e as pessoas por trás dela são maiores do que isso. E não há como negar todo o trabalho de arquivo que foi feito tanto para recuperação como para construção de algo que nunca existiu.

Um grande momento
Bernardet sobre Cassy Jones

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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