Documentário
Direção: Junia Torres, Isabel Casimira Gasparino
Roteiro: Junia Torres, Isabel Casimira Gasparino
Duração: 73 min.
Nota: 7
A Rainha Nzinga Chegou é um mergulho sensorial e estético na história do congado e reinado no Brasil. A pesquisadora Junia Torres convida ao percurso juntamente com Isabel Casemira Gasparino, a Rainha da Guarda de Moçambique Treze de Maio. Terceira a ser coroada após o passamento de suas avó e mãe, Belinha é puro carisma e, de certo modo, confere uma outra possibilidade de abordagem daquela universo.
Contando com imagens captadas ao longo de 16 anos, o longa-metragem mistura realidades e, afastando-se dos outros títulos selecionados para a Mostra Aurora este ano, não encontra na fabulação o caminho para a exposição. À parte de poucas entrevistas, o que se vê são captações de cerimônias, ritos e momentos triviais e grandiosos na vida daquelas pessoas. Não há cartelas explicativas ou qualquer outra coisa que busque direcionar a compreensão do espectador. As imagens falam por si.
Este não didatismo, por mais que não seja inovador, contraria a grande massa da produção documental no Brasil, muito marcada por cartelas, narração e entrevistas. E é muito mais interessante descobrir o congado e o reinado de forma observacional, alcançando significados que são múltiplos.
Mais do que a exposição da tradição, há em A Rainha Nzinga Chegou outros movimentos – completamente conexos – rumo ao resgate identitário, à busca das origens, principalmente em sua segunda parte, quando Belinha e seu irmão vão à África para reencontrar a sua história, se conectar aos ancestrais e percorrer os caminhos míticos da rainha Nzinga em Angola.
Embora conte com uma montagem pesada e por vezes se perca na duração de algumas passagens, o documentário tem tantos momentos sublimes que é difícil resistir a ele. As crianças na distribuição da comida, as contas encontradas ao lado do hotel na Angola (“Tudo o que tem aqui tem lá. Não… tudo o que tem lá tem aqui”), “Eu pisei na pisada da Nzinga, eu pisei na pisada da vovó” são passagens que ficam na cabeça e falam tanto de humanidade, colonialismo, escravidão e tradição.
A Rainha Nzinga Chegou é, portanto, um filme importante de resgate, memória e afirmação. Uma obra que ratifica a grandiosidade da tradição e que se preocupa em apresentá-la a um público que passou muito tempo com os olhos fechados para a realidade constituinte de seu próprio país, que nega toda uma história de desumanidade para sentir-se menos culpado, e apaga, propositalmente, suas heranças históricas. Como se toda a tradição negra, assim como a indígena, não fizesse parte da constituição do povo brasileiro.
Um Grande Momento:
“Eu pisei na pisada da vovó”.
[22ª Mostra de Tiradentes]