(Lukas, FRA, BEL, IVB, 2018)
Que diferença faz um diretor… não importa se é mais ou menos capacitado, mais ou menos talentoso. O olho de um diretor faz diferença, e tem filmes que foram simplesmente rodados, sem qualquer preocupação mínima com nada. Assistir a Lukas, estreia da plataforma Telecine de hoje, um dia após conferir um filme tão indigente quanto Rastros do Além é constatar que a simplicidade e o clichê não importam tanto quando você tem alguém no comando do leme que saiba construir planos, prover propósito a eles, dar uma luz minimamente pensada a seus cenários e atores, nada que represente uma revolução, mas como um maestro, reger uma orquestra com cuidado e competência.
Não estou falando de Hitchcock ou de Scorsese. O nome do moço é Julien Leclercq, que entregou esse ano à Netflix A Terra e o Sangue. Esse seu longa anterior é igualmente direto, sem firulas, de narrativa modesta, porém tal como o filme seguinte, é uma obra que compreende o seu ofício, que sabe das suas limitações e nem pretende desafiá-las, que consegue se sobressair às adversidades narrativas e compor um painel que não se satisfaça com um produto sem identidade; porque não podemos criar em cima de uma tela em branco, mesmo que não tenhamos um grande número de tintas?
Na tela, um ator sobre o qual nunca escrevi mas que acompanhou minha infância e adolescência, Jean-Claude Van Damme. Independente da idolatria que o astro belga tenha amealhado durante a carreira, não foram por dotes dramáticos que ele alcançou um lugar ao sol; Leclercq sabe o que tirar dele, no espaço que ele alcançou, com o rosto marcado pela idade, o corpo sem a elasticidade e o dinamismo de outrora. Ainda assim, é um ícone de um tempo que ainda funciona em projetos como esse, que precise de atores para um tipo taciturno, focado e que respeita os próprios métodos.
O roteiro simples de Jérémie Guez (de A Noite Devorou o Mundo) guarda uns trunfos na manga que não transformam o material, apenas situam o filme em lugar setorizado; simples não é simplório ou pobre. São essas próprias armas simplificadas da sua narrativa que garantem ao filme um lugar da construção imagética possibilitado por sua centralidade: um homem sobre o qual não temos nenhuma informação deseja criar a filha sozinho, como segurança de boate. Não poderia ser mais básico, mas o filme sem embrenha nas coisas não-ditas, nas encruzilhadas não-encaradas, para moldar esse personagem como um leque aberto de opções.
Encanta como Leclercq não tem medo das texturas de seu longa, das cores que o fotógrafo Robrecht Heyvaert (de Vingança) imprime entre o ocre e o amarelo e que justificam o universo do seu personagem, em como os planos sequência são utilizados não pra elaborar malabarismos mas pra injetar tensão, e o filme ganha mais do que criatividade – Lukas tem credibilidade espacial, um ritmo vertiginoso que nunca interrompe os tempos de cada personagem, e preocupação imagética o suficiente pra impressionar o espectador que não aguardava um material tão bem acabado.
Se o filme vai além de um passatempo frívolo e acaba alcançando uma personalidade estética que seus congêneres nem sempre se propõem a ter, é porque seu diretor vem demonstrando que não tem interesse algum em filmar displicentemente e entregar um material porco descartável. Dando um material de uma categoria que seu protagonista há muito não tinha acesso em seus veículos, Leclercq vai se firmando como um dos realizadores franceses que, sem ninguém notar, cria uma autoralidade em torno de uma fatia do cinema de gênero; um cinema de consequências, onde as imagens têm propósitos e as ações de seus personagens tem substância, criando uma intersecção entre eles.
Um grande momento
Invadindo a casa dos holandeses.