Direito em Cenas

Jogos Mortais

Jogos Mortais é o primeiro longa da série de filmes que conta a história do psicopata Jigsaw, um homem que decide fazer justiça com as próprias mãos contra todos aqueles que deixam que atentam contra a própria vida, ou não valorizam o que têm, mas, ainda assim, se mantém vivos, saudáveis e com seus relacionamentos estáveis.

Para alguns, o psicopata não passa de um justiceiro, que merece aplausos na medida em que traz justiça àqueles que violam o senso de moralidade comum, ou que assegura a morte de quem não valoriza a própria vida; para outros, não passa de um maníaco sádico, sedento por sangue, um criminoso que atenta contra quem ele diz estar trazendo justiça.

Os jogos a que se referem o título do longa se referem à espécie de direito de escolha que o psicopata garante às suas vítimas, ao determinar que elas poderão sair vivas do jogo, caso tomem atitudes que atentem contra a vida de alguém que com elas esteja encarcerado, ou jogue conforme as regras para se manter vivo, como se a regra fosse matar ou lesionar para sobreviver.

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São inúmeras pressões psicológicas perpetradas contra as vítimas sequestradas e encarceradas, que as fazem tomar difíceis escolhas que atentam não só contra a própria integridade física, mas que acometem, necessariamente, em danos físicos, psicológicos e na morte dos outros “participantes” do jogo de horrores.

Nesse cenário de medo, o que se verifica é, na verdade, o perfeito exemplo da exclusão de culpabilidade dos indivíduos encarcerados, na medida em que eles estão agindo sob coação moral irresistível, pois, ainda que o psicopata faça parecer que as vítimas têm escolha, a bem da verdade, se sabe que caso eles deixem de lesionar ou matar seus companheiros, serão eles quem irão morrer.

Dentro do direito, o que acontece especificamente, portanto, é a exclusão de um dos elementos do crime. Isso porque, para que determinada conduta seja considerada criminosa, ela deve consistir em fato típico, ilícito e culpável, sendo que, ausente alguma dessas características, não é possível falar na penalização ou sequer na existência do crime.

Especificamente, quando se analisa a culpabilidade, busca-se aferir se existe a possibilidade de responsabilização do autor do crime, de modo que esta responsabilização só pode subsistir caso seja o autor imputável, detenha potencial consciência da ilicitude e haja exigibilidade de conduta diversa.

Jogos Mortais (2004)

É, justamente, em razão da análise da culpabilidade que, no direito brasileiro, não punimos penalmente os menores de 18 anos de idade, por serem inimputáveis e, dessa maneira,apenas submetidos às medidas socioeducativas pela prática de atos infracionais análogos aos crimes prescritos no Código Penal, que são medidas extremamente mais brandas do que as penas previstas no CP.

Igualmente, se o agente incorre em erro sobre a ilicitude do fato, ou seja, ele pensa ser lícita uma conduta ilícita, em razão de completo desconhecimento, justificado pelo contexto social e familiar onde ele estava inserido, ele não deterá a potencial consciência da ilicitude e, portanto, não há que se falar em sua responsabilização.

Vale destacar que o erro sobre a ilicitude do fato tem que ser invencível, isto é, não basta o agente dizer que não conhecia a lei, mas ele também tem que demonstrar que lhe era impossível conhecê-la, pois se restar demonstrado que era possível que ele tivesse conhecimento da proibição – ainda que não seja um conhecimento técnico -, a responsabilidade subsistirá.

Por fim, além da imputabilidade e da potencial consciência da ilicitude, deve-se analisar o caso concreto para verificar se não era exigido do agente que ele tivesse uma conduta diversa daquela por ele praticada no momento do crime.

Jogos Mortais (2004)

Em assim sendo, se o agente age em razão de coação moral irresistível sofrida ao momento da prática do delito, consequentemente, não é possível responsabilizá-lo pelo crime, na medida em que, em outras condições, ele provavelmente não iria incidir naquele tipo penal em questão.

Disposta da primeira parte do art. 22 do Código Penal, a coação moral irresistível trata-se de grave ameaça, onde a vontade do autor não é livre (vis compulsiva) e, portanto, ele toma uma decisão a qual não poderia o ordenamento jurídico responsabilizá-lo, afinal, não se esperava que ele tomasse outra decisão.

É o caso, por exemplo, do pai que, tendo o filho sequestrado, assalta um banco, porque os sequestradores dizem que se ele não o fizer, irão matar seu filho. Por óbvio, ainda que houvesse outra alternativa ao pai – deixar o filho morrer -, não se pode exigir que um pai tome essa decisão ao invés de assaltar um banco.

Neste contexto se encontra Dr. Lawrence Gordon (Cary Elwes), que despertou em um banheiro sujo, sem luz, ao lado de um cadáver e de frente a uma banheira de onde saiu Adam Faulkner-Stanheight (Leigh Whannell), o homem cuja vida Dr. Gordon teria que ceifar até as 18h, caso desejasse salvar Alisson e Diana Potter (Monica Potter e Makenzie Vega).

A conduta de Dr. Lawrence, a partir do momento em que as vidas de sua esposa e sua filha estão em risco, caso atentasse contra a vida ou integridade física de Adam não poderia ser responsabilizada, na medida em que dele não se esperaria um comportamento diferente, logo, restaria afastada a culpabilidade.

(Saw, EUA, 2004, 103 min.)
Terror | Direção: James Wan | Roteiro: James Wan, Leigh Whannell | Elenco: Leigh Whannell, Cary Elwes, Danny Glover, Ken Leung, Dina Meyer, Mike Butters, Paul Gutrecht, Michael Emerson, Benito Martinez, Shawnee Smith, Makenzie Vega, Monica Potter, Ned Bellamy

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Direito em Cenas

Daniela Strieder

Advogada e ioguim, Daniela está sempre com a cabeça nas nuvens, criando e inventando histórias, mas não deixa de ter os pés na terra. Fã de cinema desde pequenina, tem um fraco por trilhas sonoras.
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