- Gênero: Documentário
- Direção: Karim Aïnouz
- Roteiro: Karim Aïnouz
- Duração: 80 minutos
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Karim Aïnouz vem realizando alguns documentários humanistas com foco em questões político-sociais prementes do nosso tempo hoje. Depois de Aeroporto Central, onde se debruçava sobre um ano na vida de refugiados de países em guerra abrigados num aeroporto alemão à espera da possibilidade de entrar e viver nos país, e antes de um próximo já rodado título que investigue os seus próprios laços familiares com a Europa, ele lança agora esse dia único na vida de Nardjes A., uma jovem ativista política em dia decisivo de passeata por uma independência da Argélia que infelizmente ainda não veio. Seu périplo por um dia que poderia ter sido ainda mais crucial na história de seu país contem o impacto de imagens pouco vistas em recentes docs nacionais sobre protestos e movimentos sociais: uma extrema alegria.
Talvez essa estranheza, que não é inicial ao palco do longa e sim corre por toda sua duração, seja ao mesmo tempo um ponto de atração e também de repulsa ao material filmado, porque essa característica não está exclusiva a protagonista de Karim, mas praticamente a todos os personagens com quem Nardjes esbarra durante o filme. Não se resume exclusivamente esse retrato a uma alegria e um orgulho de estar fazendo a coisa que se considera certa, vai além desses sentimentos na verdade; há uma vontade explícita de extravasar sua nacionalidade, de bradar um ufanismo prazeroso de exibir, sem medo e sem vergonha, basicamente tudo que não temos motivos para reproduzir no país, desde muito tempo mas especificamente agora. Sua luta por democracia os coloca em atraso com nosso país, mas eles parecem muito mais otimistas que aqui.
Nardjes A. nos coloca diante de um espelho complexo de observar no Brasil de hoje, um país sem motivação ou esperança, que diariamente nos fornece motivos gratuitos para a depressão, e que passa longe do que se sente no povo argelino mostrado pela obra. Se por aqui uma espécie de melancolia não consegue fazer a revolta necessária explodir, por lá vemos uma ânsia de mudança e de renovação que impulsiona a todas as gerações. Tomamos a protagonista, por exemplo, uma figura que se mostra orgulhosa de sua inocente rebeldia, de torcer as recomendações das lideranças e expor sua feminilidade como poucas vezes o fez anteriormente. Ela representa a jovem Argélia que não quer desafiar ninguém a não ser as instituições pré-concebidas; anos de repressão rendem uma movimentação contrária que conta com o apoio de todos que cruzam consigo.
Apesar de toda a efervescência do tempo real que Nardjes A. consegue passar, não podemos deixar de notar que pouco se realiza enquanto mise-en-scène, decupagem ou elaboração que uma imagem a narrativa, seja ela da natureza que for. Em determinado momento, a protagonista invade a manifestação cortando um mar de homens, que não a importunam ou invadem. É uma construção forte imageticamente, mas ela não provoca qualquer ranhura na estrutura do filme, é a imagem pela imagem. O filme na verdade é repleto de imagens fortes, como a da abertura em preto e branco que aos poucos realça seus tons de vermelho, mas nenhuma dessas escolhas reverberam na narrativa, servindo apenas como objeto cênico quase decorativo. São imagens que não friccionam seu contexto, e se satisfazem em ilustrar apenas uma produção sem debate-la.
O terço final do filme, que aponta uma espécie de ressaca dos eventos apresentados em seu todo, também ele move pouco suas pretensas camadas de discussão. Afinal, se Nardjes opta pela catarse final, abraça e merece a explosão em que se permite estar, nada ali no fundo está sendo contestado, tendo em vista que sua postura é a mesma durante todo o processo: ela está feliz, sorridente, esfuziante como em toda duração. Quando pegamos o exemplo de um filme como Simplesmente Feliz de Mike Leigh, onde temos uma protagonista que se traveste de uma mesma nota durante 80% do longa porém em seu clímax observa uma necessidade de reflexão sobre sua postura, percebemos que o longa de Karim Aïnouz tem uma única tonalidade, sem vibrar conflito ou cobrar uma camada que se interponha a outras; tudo permanece horizontalizado demais.
Sem tensionar posturas, sem confrontar visões e se abrir espaço para o diálogo simples com outros personagens (nos raros momentos onde a protagonista é afastada para que olhemos outros lados, o filme cresce enormemente), Nardjes A. permanece como uma utopia em matéria de postura social, sem revelar quaisquer lados que possam enriquecer sua narrativa ou sua cinematografia. Como um retrato de um povo moderno e atuante, sua relevância é muito maior do que em sua linguagem de cinema.
Um grande momento
“Esse país é jovem!”