- Gênero: Documentário
- Direção: Davy Rothbart
- Roteiro: Davy Rothbart, Jennifer Tiexiera
- Duração: 96 minutos
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Documentários pessoais estão cada vez mais frequentes, mas poucas vezes me senti mais conectado a uma história quanto com 17 Quadras, Premiado no Festival de Tribeca, o filme de Davy Rothbart parece de realização fácil, pois se trata da montagem de muitos anos da vida familiar dos Durant, dos anos 90 até os dias de hoje. Mas os Durant não são uma família qualquer, embora com toda certeza elas pareçam com muitas famílias. Através desse material com com horas filmadas pelos próprios integrantes na casa do milhar, o diretor constrói uma narrativa sobre a exposição ancestral da violência e do descaso e da ausência do Estado e da triste manutenção de recorrências por gerações e gerações que dilaceram vidas pretas.
Através dos tempos vemos as árvores genealógicas de pessoas periféricas propiciarem seus futuros, e camadas e mais camadas de horror suplantarem uns aos outros fazendo incontáveis vítimas. A família Durant, nesse filme, mostra o que tantos anos de preconceitos e falta de oportunidades geradas por esses mesmos preconceitos fazem à famílias inteiras. Eles geram espirais de violências perpetradas por pessoas brancas, por uma sociedade racista inclemente, que retalha não apenas uma vida, mas gerações seguidas que nunca terão as oportunidades merecidas.
Talvez 17 Quadras não tenha o melhor dispositivo, talvez não tenha a mais inovadora estrutura dramática, talvez não tenha a mais revolucionária narrativa documental, mas ele com certeza tem o mote certo, as reflexões mais pertinentes e uma montagem impressionante a cargo de Jennifer Tiexiera, premiada profissional que acaba de estrear na direção (P.S. Burn this Letter Please) e aqui promove o encontro de três tempos narrativos, de vários endereços, de personagens que se alastram pelos anos, e que acaba por criar um olhar que nunca para de surpreender em relação a pessoas, através não apenas de suas vidas mas principalmente pela duração da produção.
O espectador com muita facilidade consegue adentrar àquela casa, onde vivem de maneira desordenada Cheryl e seus três filhos, envoltos a trajetórias em constante perigo de putrefação. Enquanto a mãe se droga, e o espectador é levado a antipatizar continuamente com a personagem por suas próprias atitudes, seus três filhos são levados pela força dos acontecimentos a amadurecerem muito antes da hora, criando uma prévia de adultos que continuam o caminho de erros hereditários, em diferentes vias. O filme passeia pelas suas histórias, pra trás e pra diante, mostrando a destruição inerente a eles, na qual foram arremessados por serem negros e pobres.
Essa herança social é discutida no filme com a sutileza que promovem as idas e vindas no tempo, que não são gratuitas ou apelativas, e criam a estrutura que debruça em vasculhar não apenas os erros da família Durant, mas o lugar que ocupa cada uma dessas famílias em situação semelhante e que são metaforizadas por eles. Esse espaço/tempo da produção, onde podemos entender o presente em que Cheryl revisita o seu passado para entender os motivos onde errou e porque errou, são o que constroem a substância mais amarga do filme: a matriarca rememora sua história, que passa diante dos seus olhos, em um roteiro que ela não pode alterar.
Repleto de passagens dolorosas e um close-up impossível de encarar, 17 Quadras nasceu como um registro familiar, que se transforma em filme quando encontra a sucessão de horrores que aguardava na esquina e invade suas vidas. O mesmo material que era íntimo, hoje revela não apenas as entranhas dos Durant, mas da História Americana e da História hoje, de um sem número de homens, mulheres, pais, mães, filhos, cujo racismo estrutural que varre a sociedade pretende sistematicamente apagar.
Um grande momento
“Irreplaceable”