- Gênero: Drama
- Direção: Hilal Baydarov
- Roteiro: Hilal Baydarov
- Elenco: Orkhan Iskandarli, Rana Asgarova, Huseyn Nasirov, Samir Abbasov, Kamran Huseynov, Maryam Naghiyeva, Kubra Shukurova
- Duração: 88 minutos
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Muitas vezes já nos estivemos em diálogos entre amigos onde ouvimos os seguintes questionamentos: “e aí, o que você entendeu do filme? pra você, o que significa esse filme, seu final?”; para filmes de David Lynch, esse diálogo é um clássico. Eu, que sempre detestei esse tipo de “aprofundamento” em uma obra, preciso agradecer ao cineasta do Azerbaijão Hilal Baydarov pelo que é feito em Entre Mortes, competidor inexplicável do último festival de Veneza. Graças ao seu filme, ficam claros os motivos pelo qual esse tipo de abordagem é desagradável ao destruir os simbolismos que seus autores criam e que precisam ser livres para ter múltiplas explicações, e não uma única que personifique a razão absoluta buscada; essa certeza não deveria existir.
O ato subjetivo de adentrar uma obra, descobri-la e apurá-la em particular, tragar pra si seus mistérios e decodificá-los (ou guardá-los intactos em si) deveria ser mais apreciado pelo espectador, mas Baydarov não parece muito certo do jogo básico que qualquer cineasta, mesmo iniciante, é logo ensinado, a de que filme pronto não pertence mais a seu autor, mas a cada espectador. Talvez por ter trabalhado apenas com documentários anteriormente, o cineasta se acostumou com ideias concretas, e não consegue manter nenhum de seus planos intocados no simbolismo, de quem inclusive o filme é refém.
Não há problema algum em lançar mão de metáforas visuais e narrativas para desenvolver uma obra, mas o que Entre Mortes faz é se encarcerar em um labirinto tão pretensioso que chega a ser cômico, ao seguir um homem abusador pelas estradas do país a esbarrar em diversos outros casos de abusos como os que ele comete com a própria mãe (em sequência exagerada) e colocá-lo do outro lado da moeda, salvando e evitando tragédias com outras tragédias, na maior parte do tempo cometidas ou proporcionadas por ele; sim, o filme elege como salvador alguém que pratica o mesmo dentro de casa.
Com uma hipnotizante fotografia do estreante Elshan Abbasov em mãos, Baydarov constrói um filme impossível de se desconectar imageticamente, criando um paradoxo em si: se em silêncio suas imagens provocariam reações de espanto e admiração contínuas, ao apresentá-las em complemento a uma narrativa fragmentada e arrogante, ficamos indecisos entre o desprezo absoluto e a raiva ainda maior por desperdiçar planos tão arrojados e significativos. Não há como ignorar, no entanto, tudo que é narrado em Entre Mortes, que varia entre o assustador e o corajoso, ambos pelos mais negativos motivos.
O diretor assume uma postura covarde ao não acreditar no poder imagético que possui muito menos na inteligência do espectador, ao apresentar esquetes sobre diferentes formas de abuso e posteriormente contar com um trio de testemunhas oculares que assiste o que ocorre e narra as cenas, como a esclarecer o que não ficou claro e tirar qualquer pretensa subjetividade que a história poderia apresentar. Não que as entrelinhas não fossem repletas de machismo, tentativas (e eventual concretização) de feminicídio e assédio de muitas espécies, disfarçados pela estética vigente e por elucubrações constrangedoras por parte de uma produção absolutamente perdida.
Perde o espectador, que poderia ter ficado com belas imagens captadas com brilhantismo sem qualquer presença de áudio e ao menos passar 1 h e meia imaginando uma atmosfera superior ao imbróglio apresentado, e perde Baydarov, que na ânsia de ser politicamente correto, engajado e onírico, demonstrou apenas que ainda tem muito a aprender, enquanto filósofo, enquanto cineasta e enquanto homem, principalmente.
Um grande momento
A neblina