(The Operative, FRA, ISR, ALE, EUA, GBR, 2019)
A câmera de Yuval Adler segue Rachel durante a maior parte da projeção de Agente Infiltrada sem julgar sua personagem, mas com um interesse genuíno de tentar desvendá-la, como se soubesse mesmo antes de sua primeira aparição que sua existência não só continha fascínio, mas principalmente mistério, uma coisa necessariamente levando a outra. É um trabalho coletivo do cineasta e de uma atriz que não cansa de trazer novas camadas e reafirmar um talento que nem sempre foi reconhecido, a alemã Diane Kruger, que aos 44 anos amplia seu repertório com um trabalho requintado e de complexidade insuspeita.
Há alguns anos, Diane ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes e se notabilizou como uma atriz de recursos múltiplos; com o que demonstrou em Aos Pedaços, já não havia mais dúvidas de seus recursos dramáticos como quando estreou em Troia, onde sua beleza foi injustamente colocada à mesa para desabonar um talento que já se mostrava na incubadora. Desde então, sua versatilidade vem sendo colocada à prova, até chegar em Bastardos Inglórios, onde sua presença foi tão evidenciada que chegou a frequentar listas de indicações no devido ano, com justiça; que não seja mais negada a partir dos últimos anos.
Não dá pra atribuir exclusivamente os acertos de Agente Infiltrada a Diane, embora sim seja seu ponto alto. As escolhas de Adler, de condução rítmica, de proposta de olhar, de observação de ambiência e de como abordar silêncios e interditos, contribuem para a construção do clima como um todo, e não apenas dos esforços de sua protagonista. O filme amplia suas possibilidades de elaboração a respeito do passado, do presente e até eventualmente do futuro daqueles abordados. Sua abordagem do ambiente onde vivem espiões e suas agências passam longe do frenesi de um 007 e tá muito mais pŕoximo de uma realidade – melancólica e introspectiva, que preze pela construção de um mundo idealizado e alicerçado em mentiras.
Passeia pelas declarações de Rachel ao descrever sua relação com o Irã, de descoberta, de fascínio, do amparo que ela jamais tinha sentido. Sua descrição do lugar onde está, da criação de uma autonomia forjada e de uma rotina que precisa fazer sentido para a identidade pretendida é ao mesmo tempo acertada e absolutamente tocante, porque nos colocamos no lugar da personagem com muita facilidade, com a forma que o filme aborda essa construção progressiva e esse olhar ativo para os detalhes que cercam nossos cenários. A protagonista do filme nos coloca nessa jornada, ao compor a narrativa envolvente do roteiro com um quadro de descobertas constantes.
Um dos trunfos dessa adaptação do livro “The English Teacher” de Yiftach Atir para a tela é traduzir as ambivalências e idiossincrasias desse universo macro, que é uma fatia de convivência coletiva repleta de trechos desconhecidos, cujas elipses naturalizadas escondem não apenas do espectador mas também de seu entorno a verdade. Os embates entre Rachel e Thomas a respeito da adoção da mesma trazem à tona uma reflexão sobre como nos relacionamos com as realidades de cada um, que muitas vezes não existem – são universos que nunca tivemos acesso e que só nos cabe acesso através de quem o vivenciou, ou não.
A partir do momento que Agente Infiltrada nos coloca dentro dessa espiral, acreditar ou não no que nos é apresentado como verdade, o longa parece fazer jus a sua tradição de gênero; estamos enfim dentro de não apenas um filme de espionagem, mas de uma convivência espiã. Ainda que se valha de cenas dispensáveis (o assédio sexual), esses momentos obtém desfechos que contribuem para o ambiente geral, de eterno mistério e incompreensão, como tudo na vida da protagonista. É minimamente discutível cobrar entendimento absoluto quando a própria figura central se cerca de névoa.
Acima de tudo, paira a impressionante composição de Diane Kruger, que contribui para todo o novelo de insegurança que habita no longa. Com seu ar circunspecto ao caminhar pelas ruas de Teerã, sua entrega ampla ao sexo, com seu medo ao executar sua primeira missão, suas tentativas de consertar erros diante do imprevisível, a atriz enche de credibilidade uma produção cuja matéria-prima é a ambiguidade, onde Diane se mantém do início ao fim no esperado fio da navalha.
Um grande momento
Na guarita de segurança