- Gênero: Drama
- Direção: Ray Yeung
- Roteiro: Ray Yeung
- Elenco: Tai-Bo, Ben Yuen, Patra Au, Yip Lo Chun, Kong To, Lam Yiu-Sing, Wong Hiu Yee, Hu Yixin, Kwan Lau Ting, Chu Wai-Keung
- Duração: 92 minutos
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É quase impossível que uma pessoa da comunidade LGBTQIA+ assista a Suk Suk: Um Amor em Segredo, que estreia hoje nos cinemas, e não reflita sobre si mesmo diante de quadro tão implacável e fatal. Afinal, se só escaparemos da velhice se morrermos antes da mesma, nada mais certeiro do que empatizar com quem já chegou lá, e cuja perspectiva seja tão nebulosa ainda. Com serenidade, a tal da melhor idade (que, de acordo com quem já chegou a ela, de “melhor” não tem quase nada) é descortinada aqui para que possamos adentrar um universo tão pouco explorado no cinema, mas que é tão palpável quanto a própria vida – onde estaremos quando o futuro chegar?
O experiente diretor Ray Yeung trilha com frequência um caminho em sua filmografia a ampliar a observação sobre o universo queer de maneira ainda não explorada, longe dos clichês habituais que a temática tem percorrido. Ao debruçar-se sobre um tempo de descobertas outonais, onde a maior parte da areia da ampulheta já cruzou para o outro lado, os chavões são redefinidos tendo por base uma leitura emocional de outra espécie, e assim retorcendo as normas que o próprio cinema costuma construir suas narrativas.
O tempo de Suk Suk foi estacionado em outro ritmo, não apenas da contemplação geográfica, mas principalmente da interiorização espiritual – com duplo sentido. Pak e Hoi, os protagonistas do longa, têm trajetórias diferentes de vida, de envolvimento com a atração pelo mesmo sexo, mesmo de colocação familiar e particular. Ambos em forma produtiva, seus mais de 60 anos os une também no desejo mudo de uma realização afetiva desprendida do que já têm. A rotina de ambos é ativa e requer alguma exigência, mas seus desejos não adormeceram, e seus rostos denunciam suas carências, que é sutilmente percebida pelo seu universo.
O filme não tenta nos fazer penalizados por dois homens que descobrem o amor tarde – trata-se de uma produção que trata seus personagens sem paternalismo ou vitimismo. Suas ações não são diminuídas pela idade, seus atos não são vitimizados ou vilanizados; as imagens são cúmplices de uma história tardia que grita para ser vivida. E não são apenas Pak e Hoi os vetores de sua narrativa; ao longo da produção, os personagens se encontram com outros gays, assumidos ou não, de idades diferenciadas, mas com um carinho especial sobre uma população que raramente é tratada, principalmente quando ainda há um armário no caminho mesmo depois de tantos anos.
Mesmo que o roteiro de Yeung não explore o manancial de possibilidades que a história capitaliza e disponibiliza para o espectador, seu infinito poder de comunicação, o ineditismo com que essa abordagem é transposto para a tela, o cuidado com que o filme trata cada passagem e tenta abarcar e desenvolver, sempre com leveza e adequação à seus próprios protagonistas, não há possibilidade de não se deixar levar pelo tanto de sensibilidade é pretendida. Não estamos falando de um Dias, mas Tsai Ming-Liang é um cineasta da introspecção e da autoralidade, enquanto aqui vemos um tratamento naturalista a uma fatia do público que raras vezes se reconheceu em cena.
Que isso seja feito agregando a necessidade de pensar em religião como elemento podador do humano, que discuta a criação de espaços de acolhimento para a população LGBTQIA+ quando desamparadas, que conecte uma textura tão prosaica e acessível a uma fatia da comunidade tão negligenciada dentro e fora das telas, transforma Suk Suk quase em um acontecimento a ser celebrado, enquanto raro mergulho em uma melancolia etária e emocional e enquanto cinema de profundidade fora da ordem dos lançamentos semanais dos cinemas. Que ele esteja acontecendo durante uma pandemia, a comemoração não deveria ter hora para acabar.
Um grande momento
Refeição na sauna