- Gênero: Comédia
- Direção: Jean-Paul Salomé
- Roteiro: Hannelore Cayre, Jean-Paul Salomé
- Elenco: Isabelle Huppert, Hippolyte Girardot, Farida Ouchani, Liliane Rovère, Iris Bry, Nadja Nguyen, Rebecca Marder, Rachid Guellaz
- Duração: 104 minutos
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Quem tem Isabelle Huppert no elenco de seu filme, já sabe que abre a competição com um trunfo. Das atrizes mais prolíficas da atualidade (em um nível que, durante a pandemia, rodou QUATRO filmes novos), Huppert é um amuleto pra quem consegue tirar dela o seu melhor, e sabe que os mercados se abrirão para a compra fácil de um produto que tenha seu nome estampado. Ela é sinônimo de credibilidade, algumas vezes ultrapassando a qualidade alcançada, e seu talento descomunal para personagens psicologicamente marginais a coloca em um lugar raro no cinema, onde suas capacidades a levam para lugares inimagináveis.
Esse é o caso de A Dona do Barato, estreia de hoje nos cinemas brasileiros, que provavelmente não teria o mesmo alcance fosse protagonizado por qualquer outra atriz, francesa ou não – e estamos falando de um país que tem Juliette Binoche, Catherine Deneuve, Isabelle Adjani, Marion Cotillard, Fanny Ardant e tantas outras. O rosto e o lugar ocupado por Huppert hoje torna crível sua posição aqui, onde uma outra atriz poderia talvez soar deslocada. Vivendo uma tradutora da polícia que tem ligação direta com o tráfico de drogas marroquino no país, a atriz encarna Patience como uma luva, e faz de sua tendência criminal algo completamente aceitável e compreensível.
O filme de Jean-Paul Salomé tem na atriz o plus que faltava para angariar a simpatia do público junto ao tipo que retrata, ao universo estrangeiro e imigrante que revela, sem xenofobia, mas que anda constantemente no fio da navalha. Indicado ao César de melhor roteiro adaptado, baseado na novela de Hannelore Cayre, A Dona do Barato não é um filme sossegado de discussão. A França que o filme mapeia é altamente ocupada por todo tipo de estrangeiros que estão ali para contar mais do que suas histórias, mas para bradar como a falta de oportunidades os levaram até aquele lugar, ainda que não seja exatamente só isso.
Há uma questão posta na produção, que foca em marroquinos, chineses e árabes, todos em cena ligados nas atividades criminosas do filme, se revelando a cada nova sequência mais envolvidos com o obscuro. Ainda que sua intenção fosse radiografar o lugar onde o estrangeiro é obrigado a se colocar para ascender, é minimamente curioso que os personagens não afetados pelo crime em cena sejam franceses, e nenhum imigrante tenha passado incólume ao chamado do crime. Essa dubiedade poderia ser trabalhada ser passar a impressão de que essa situação não poderia ser atacada por suas prováveis fatias de preconceito implícito.
Nas costas de sua protagonista e dos tipos que a rodeiam, está a naturalidade buscada pela produção para tornar aquilo mais do que divertido e leve, mas humano, sem superficialidade. A relação desenhada entre Patience, a criança que foi retratada em uma foto famosa, as lembranças de já ter estado naquele lugar transgressor desde a infância, e de retomar um lugar menos passivo na própria vida é o que coloca o filme em uma zona de interesse, que estejam essencialmente à altura de uma atriz que é gigantesca; Nadja Nguyen, Mourad Boudaoud e principalmente Rachid Guellaz contribuem com igual grandeza em um projeto que poderia soar mais simples do que efetivamente acaba sendo.
Experiente, Salomé consegue entreter e inserir essa crítica social que soa ela mesma enviesada, o que transporta A Dona do Barato para um estado independente da presença de sua intérprete protagonista, ainda que tenha ciência de sua presença proporciona a amplitude do material. Envolvida com frequência em produtos que soam não mais do que veículos da sua própria participação, Isabelle Huppert ao menos aqui está rodeada de uma proposta de leitura social e um elenco que se comporta à sua altura, fazendo da produção uma pedida adequada para muitos públicos, e não apenas aos seus fãs.
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