- Gênero: Suspense
- Direção: Kike Maíllo
- Roteiro: Cristina Clemente, Kike Maíllo, Fernando Navarro
- Elenco: Tomasz Kot, Athena Strates, Dominique Pinon, Marta Nieto
- Duração: 89 minutos
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Há uma alegoria interessante por trás de Inimiga Perfeita e que está ali escondida no título do longa do diretor catalão Kike Maíllo, disponível na Netflix. Não existe maior adversário do que a consciência e a consequente culpa. Feitas sob medida em intensidade, forma e pressão, elas perseguem, transformam, amedrontam, paralisam e destroem seus donos e qualquer um que as carreguem. Aqui, o arrogante arquiteto Jeremiasz Angust, um homem de relativa fama e sucesso que, depois de uma carona, não consegue se afastar de Texel Textor, uma jovem estranha que quer contar sua história.
Inspirado no romance “Cosmética do Inimigo”, de Amélie Nothomb, o longa não se apega ao fato de que a trama pede uma abordagem mais intimista. Desde o começo, Maíllo tem a intenção de impressionar com os elementos que, acha, vão deixar a história mais interessante. São muitas demarcações de ego dos personagens centrais, como toda a passagem da palestra ou as muitas voltas ao quarto tomado pelos mapas riscados de Paris, e vários pontos onde se usa o grafismo para conduzir sensações, como o jogo que estabelece com a maquete do aeroporto.
Todos os penduricalhos e a necessidade de ser muito explícito atrapalham a organicidade do longa, deixando-o superficial. Em um thriller psicológico, onde personagens interagem diretamente e são construídos por impressões, o excesso de minúcias faz com que o jogo por vezes perca seu foco. A conexão também não se estabelece como deveria, mesmo que Athena Strates (A Grande Mentira) e Tomasz Kot (Guerra Fria) se empenhem para entregar algo nos papéis de Textor — o filme busca um motivo para a troca do gênero de sua antagonista, e até encontra desculpas para a falta de identificações ou nuances — e Angust, respectivamente.
A vantagem de Inimiga Perfeita está no material em que ele se inspira, pelo menos quando realmente consegue se comunicar. O que está por trás do jogo psicológico e daquilo que vai se formando à medida em que as pistas deixadas pelo caminho se conectam (quando isso acontece) é o que torna o filme interessante. Ainda que Maíllo se atrapalhe novamente e prolongue o que sobra após o impacto, criando novos espaços para o embate ou uma configuração onde quer que sua técnica chame mais atenção do que a própria mensagem, a alegoria fala mais alto.
O mais engraçado no longa é que ele repete uma frase de Antoine de Saint-Exupéry diversas vezes. “A perfeição não é alcançada quando já não há mais nada para adicionar, mas quando já não há mais nada que se possa retirar”. Infelizmente, uma definição de tudo o que não é o filme. Talvez, no entendimento de requinte, porque há essa intenção também, ali não cabia incluir mais nada, mas pensando na qualidade, há muita sobra a ser dispensada. Há textos que pedem certas abordagens e este caso é um desses. Faltam sensações e sobram lugares para além do que o imaginário já entregaria.
Mesmo desperdiçando qualquer chance de identificação ou aprofundamento na trama, não dá para dizer que Inimiga Perfeita não consegue prender minimamente a atenção do espectador. Ainda que de maneira ligeira e casual, o thriller está ali e aumenta a cada nova história contada. Mas é isso, dura aquilo que precisa para o tempo da narração e nem sobrevive intacto ao final mais visual do que significativo. Deixa de lado a força de falar sobre questões humanas, mas cumpre seu pastel de entretenimento rápido.
Um grande momento
Ela fala, ele ouve música