- Gênero: Comédia
- Direção: Marco Simon Puccioni
- Roteiro: Luca De Bei, Marco Simon Puccioni
- Elenco: Filippo Timi, Francesco Scianna, Francesco Gheghi, Giulia Maenza, Emanuele Maria Di Stefano, Matteo Oscar Giuggioli, Valentina Cervi, Mauro Conte, Gerald Tyler, Jodhi May
- Duração: 90 minutos
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A vida nem sempre é perfeita. Mesmo aos olhos externos, quando nos parece que um manto de tranquilidade foi jogado em cima de uma relação familiar, como diria Alan Ball em Beleza Americana, temos de olhar mais de perto…
Partindo do princípio que as coisas mudam, independente da nossa vontade, a Netflix estreia hoje Laços de Afeto, delicadíssima produção italiana sobre uma família como qualquer outra, até na hora de deixar de ser uma. Quando nos aproximamos do nosso semelhante, percebemos que sua textura não difere da nossa, seus problemas são reais, e sua vontade de enfrentá-los pode até se esvair, de vez em quando, mas há a necessidade de seguir em frente, em todo alguém. Nem sempre a perfeição reside exatamente onde esperamos, mas geralmente a complexidade dos fatos permite perceber sua inexistência.
O diretor Marco Simon Puccioni escreveu, ao lado de Luca de Bei, um roteiro com muitas proposições, com muitos caminhos a seguir, mas somente o afeto para nortear. Com algum humor – afinal, é uma produção italiana – e muita singeleza, Puccioni mostra uma história que não necessariamente gostaríamos de ver, na forma como ela se apresenta, mas que é necessário acessá-la. Há a esperança de felicidade eterna escondida por trás de cada reafirmação de minorias, que ao menos na arte somos capazes de acessar, mas assim como a perfeição, a felicidade eterna é igualmente um mito difícil de assumir para si, e aí sim a arte é capaz de nos fazer refletir sobre porque nem sempre estamos preparados para tal.
Precisamos sim parar de ver histórias de sofrimento descabido entre LGBTQIA+, de sofrimento auto impingido, de degradação e morte, de toda a sorte de dissabor social. Mas e se ao invés de vermos de, como o mesmo disse, não virmos viados assaltantes, viados roubando bancos e empinando motos, e sim viados construindo uma vida e, posteriormente, reconstruindo? Eu, enquanto viado, preciso assistir ao que esse roteiro têm a me dizer, e entender que a infelicidade não dura pra sempre, mas talvez existam modelos novos de retratação de liberdade e de construção do que é ser feliz para cada um de nós, e que não estejam presos ao padrão esperado heternormativo; a vida é múltipla.
Veja o caso de Leone. Ele é um adolescente normal, pleno de uma igualdade de direitos que raros jovens têm, com dois pais, uma mulher que o gerou, um grande amigo e uma futura namorada – que pensava que ele era gay, como seus pais. A vida de Leone podia não ter um padrão estabelecido como “normal”, mas não há dúvida que sua estranheza era invejada. Aí, veio a VIDA, e mostrou a ele que pais traem, pais enganam e pais se enganam, eles só nunca deixarão de ser pais, com seus defeitos e suas qualidades. E Leone, que jurava que tinha uma realidade ao menos controlada, se vê imerso a muitas situações novas, incluindo seu primeiro beijo em outro homem, a separação dos homens que o amam e uma impossibilidade de conhecer o próprio passado.
O naturalismo visto em Laços de Afeto, logicamente, é regado à dramaturgia, a beijos roubados assistidos por quem não deveria, a testes de paternidade inesperados, a amizades desfeitas em momentos-chave, a paixões arrebatadoras que nos aliviam o peito na hora de dores outras. Mas esse roteiro, com toda a colcha de retalhos que é construída para apresentar seus personagens, seus erros e acertos, seu amor e desamor, vem a calhar no que diz respeito à manutenção do título em português. São esses laços, ou esses fios invisíveis do título original, que originam a tessitura de uma história de acontecimentos e desacontecimentos em profusão, como as vidas o são, até as que parecem profundamente diferentes.
Um elenco de sonho está por trás dessa construção, e são eles a dar toda a carga de ternura em cena. Se Filippo Timi (de Vincere) e Francesco Scianna (de Baarìa: A Porta do Vento) são a pilastra de sustentação do drama, é Francesco Gheghi (de Irmãos à Italiana), o protagonista dessa história que tão afetuosamente não a apresenta como sendo sua, seu coração. É com ele que iremos nos emocionar a cada nova descoberta a respeito das cicatrizes, como a ele é dito – elas nos fazem especiais, Leone. Siga amando muito, e nos ensinando junto a seus pais que a felicidade é começar de novo, todos os dias.
PS: assistam o filme até o fim dos créditos.
Um grande momento
O resultado do teste entre pais e filho