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Aline: A Voz do Amor

Meu coração seguirá…

(Aline, FRA, CAN, BEL, 2020)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Valérie Lemercier
  • Roteiro: Valérie Lemercier, Brigitte Buc
  • Elenco: Valérie Lemercier, Sylvain Marcel, Danielle Fichaud, Roc LaFortune, Jean-Noël Brouté, Antoine Vézina, Pascale Desrochers
  • Duração: 126 minutos

Qual a diferença entre as cinebiografias lançadas anualmente aos montes, sobre uma grande celebridade mundial, falada em inglês, que tem como intuito principal concorrer a muitos bonecos dourados, e Aline: A Voz do Amor? Resposta: praticamente nenhuma. Chegando aos cinemas brasileiros essa semana, o filme produzido, dirigido, escrito e protagonizado por Valérie Lemercier é falado em francês – e se encerra aí sua diferença para com Bohemian Rhapsody, Ray, A Dama de Ferro, A Teoria de Tudo, Respect e tantos outros; se pensarmos em Piaf, o veículo que deu o Oscar a Marion Cotillard, aí a diferença passa para nenhuma. Na verdade, todos os países (Brasil inclusive, com seus Elis, Simonal, Tim Maia, etc…) tem essa cota bem pouco respeitável de produções rasas que se valem da vida de alguém para disseminar dramaturgia pouco inventiva. 

Se a narrativa raramente deixa de ser uma grande colagem fast food sobre personalidades gigantescas que jamais deveriam ser resumidas, esteticamente tais títulos costumam ser ainda mais indigentes, porque se trata de uma fórmula que raramente se altera, incluindo o que é aplicado imageticamente. São produtos fáceis no que inclui sua assimilação visual, feitos para que o trabalho dramático de seus atores seja valorizado. Ora bolas, mesmo quando “bem sucedidos”, tais filmes são meritórios em premiar seus elencos – geralmente o protagonista – e pretendem ir bem pouco além disso; Lemercier saiu com seu César de melhor atriz garantido da última premiação. Não há textura estética que forme qualquer nova elaboração e Aline não é diferente, ainda que seja um filme cujas algumas decisões necessitem de um olhar mais apurado, para que se entendam motivos para questões, digamos, surreais. 

Mas quem diabos é Aline? Bem, em tese, uma absoluta desconhecida… alguém já ouviu falar na grande cantora popular canadense Aline Dieu? Não né… mas se falarmos em Céline Dion, a coisa muda de figura. Pois bem, Aline é Céline; a cantora e sua família não autorizaram o uso de seus nomes, mas basicamente é só isso a ser mudado em linhas gerais. É lógico que, como todas essas biografias, muitas coisas factuais são alteradas, ordens de datas principalmente, há uma romantização em cima do real, e eventualmente reclamações são feitas, como aqui aconteceu. Então não há, a princípio, nada que tenha sido feito em Aline que não tenha sido em Apresentando os Ricardos, pra citar um caso. Exemplo: você conhece alguma outra pessoa que tenha gravado “My heart will go on”, e cantado essa música na cerimônia do Oscar além de Céline? Pois bem, agora temos também Aline a protagonizar essa cena. Ou seja… 

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A título do que é cinematográfico, no entanto, Aline tem as mesmas características de tradicionais tributos a grandes ídolos, para o bem e para o mal. Imagino que fãs de Céline irão tornar essa sessão inesquecível por motivos diversos, já o que é construído em cena pela diretora Lemercier não fica nada a dever ao pouco que é feito no cinema autobiográfico padrão. Porém, tem algo cômico acontecendo ali e talvez a explicação venha do fato de que a própria Lemercier é uma comediante de formação. Não é exigido à atriz estripulias dentro de sua veia para a comédia, mas há uma leveza no projeto que acaba por promover uma delicadeza no todo. É pouco para colocar um padrão de diferenciação, mas isso é uma escolha que não pode ser negada e que contribui para que o filme tenha um tempero leve que o torne próprio. 

Há um outro aspecto curioso/bizarro acerca de Aline. Valérie Lemercier é uma grande atriz e está com 58 anos – quando rodou o longa, estava prestes a completar 56. Porque ela, na condição de autora, decidiu que faria todas as fases da vida da artista, incluindo sua adolescência e, no cúmulo do surreal, sua infância, tendo seu rosto sendo incluído digitalmente no corpo de uma criança? Um traço da biografia de Céline talvez seja responsável por justificar. Seu marido e grande amor de sua vida, René Angelil, foi quem a descobriu e lançou como artista, aos 12 anos de idade; o problema é que, nessa ocasião, René já estava quase com 40 anos, e Céline declara ter se apaixonado por ele à primeira vista, incluindo no filme essa fala é mantida. Não seria difícil pro público aprovar uma história de amor entre um homem quase quarentão e uma pré-adolescente? A decisão de Lemercier protege a visão romântica que ela tem de Céline e de uma parte relevante de sua vida, sem sensacionalizar essa questão simplesmente por estar em cena o tempo todo, e o público saber de sua idade. 

É uma decisão que em tela soa absolutamente farsesca, mas também isso contribui para essa percepção leve que ela quer apresentar em Aline, incluindo atenuar todas as dores pela qual a cantora passou, passando por esses momentos quase ao largo da produção. É evidente o carinho da autora com seu ídolo, o que movimenta a narrativa com essa aura quase ingênua por uma vida repleta de atribulações suavizadas, mas nada disso resgata ao longa uma porção menos burocrática, na forma como salta eventos, em como o tempo tem uma distensão particularmente ruim, em como a montagem prejudica o andamento da produção do início ao fim. É, para todos os fins, um típico trabalho do gênero, moldado por uma entrega de sua protagonista, absolutamente longe de sua zona de conforto, exigindo um outro espaço seu na indústria, mas ainda pouco que o transforme em grande cinema. 

Nota: 2

Um grande momento
Pelas ruas de Vegas 

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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