- Gênero: Drama
- Direção: Tyler Perry
- Roteiro: Tyler Perry
- Elenco: Joshua Boone, Solea Pfeiffer, Amirah Vann, Austin Scott, Ryan Eggold, Milauna Jackson, Brent Antonello, Brad Benedict, Lana Young, Robert Steven Wayne, Kario Marcel
- Duração: 125 minutos
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Exatamente na metade da projeção de O Homem do Jazz, o casal protagonista tem enfim o que parece ser sua primeira noite de amor. O cenário é um carro de luxo da década de 1930 e acabamos por ver a mão da personagem feminina bater no vidro repleto de vapor do interior do veículo. Não dá outra: a referência máxima à cena bastante parecida de Titanic nos faz pensar se Tyler Perry compara esse seu novo filme ao épico estonteante de 1997. A sequência final do filme, a forma como ele apresenta enfim uma personagem idosa entrega de vez que sim, Perry se viu aqui como um “discípulo de James Cameron”, ou algo que o valha – para não entrar em grosserias de cara. Pois bem, mirou em Cameron e acertou em Walcyr Carrasco.
Carrasco, independente da ausência de qualidade, é o autor de telenovelas brasileiras mais importante da atualidade, só produzindo sucessos. Com obras do quilate de A Dona do Pedaço e O Outro Lado do Paraíso, quem procura diálogos risíveis no melhor estilo ‘brigas da quinta série’, trama rocambolesca e exagerada, e atuações histéricas, se acostumou com o que o autor tem produzido para a TV. Perry não fica nada longe disso, e na verdade daria orgulho ao seu equivalente nacional. Acostumado a produzir longas de comédia protagonizados por si mesmo vestido de mulher (a malfadada Madea) ou suspenses sem qualquer vestígio de classe, o diretor assinou um contrato longo de produção e distribuição com a Netflix. Essa estreia de hoje é mais um atentado cometido pelo diretor a estrear no streaming.
Provavelmente convencido de que estava realizando um épico para rivalizar com A Cor Púrpura e Mississipi em Chamas, o que vemos não demora a se revelar muito mais próximo da teledramaturgia, e nem é a de boa cepa, como já citado. Perry tenta nos enganar e mostra que, enquanto roteirista, ele poderia ser um diretor até razoável, e vende um trabalho que demora a se revelar medíocre, ao contrário da labuta narrativa, onde a tragédia é descoberta muito mais rapidamente. Algumas cenas até se justificam, como alguns dos encontros na adolescência entre Bayou e LeAnn – no primeiro deles, uma luz incide sobre os personagens em um fim de tarde, e essa imagem é das mais bonitas da produção. Mas, para quem já conhece o trabalho de Perry anterior, sabe exatamente o que irá encontrar em O Homem do Jazz.
São arremedos de possibilidades transformados gradativamente em enormes momentos cheios de vergonha alheia, onde Lee Daniels e seu Preciosa parecem elevar-se dramaticamente. Embates repletos de gritos proferidos entre atores absolutamente fora do tom acontecem com muita frequência, pessoas estapeiam umas às outras como se estivessem lixando as unhas e, pior de tudo, não há credibilidade possível que justifique os diálogos mais inacreditáveis da temporada. Há a impressão constante de estar assistindo a esquetes do Saturday Night Live ou do brazuca Comédia MTV, tamanho o grau de pieguice e vilania que desfilam pela tela. Os personagens se dividem entre serem tão bons quanto Madre Teresa de Calcutá ou mais pérfidos que Odete Roitman, com a diferença de que ninguém em cena parece se divertir tanto quanto Beatriz Segall conseguia em sua imortal personagem.
Mais uma vez, Perry mostra com O Homem do Jazz que a indústria não absorviu ainda a totalidade de profissionais negros do mercado, na frente ou atrás das câmeras. Mas, ainda que a passos muito mais lentos do que precisávamos e deveríamos, não temos mais somente Spike Lee para influenciar novos cineastas hoje. Jordan Peele, Barry Jenkins, Steve McQueen, Gina Prince-Bythewood, Ava Duvernay, Ryan Coogler, Gabriel Martins, Alice Diop, Ladj Ly, André Novais Oliveira, e muitos outros surgem todos os dias e ampliam o surgimento de mais outros, produzindo, sendo premiados, reverenciados e inspirando tantos novos segmentos. Alguém com as características aqui evidenciadas, cujo histrionismo não se furta a aparecer apenas em comédias, deveria estar passando por um processo de reciclagem ou de descobertas de novos nomes para o cinema. Ter, na mesma semana, essa produção e A Mulher Rei estreando, é a prova de que o abismo que os separa deveria deixar claro quem está de fato entregando cinema e quem só está passando vergonha, no crédito e no débito.
São duas horas de duração que, precisamos admitir, passam com bom ritmo. O problema de O Homem do Jazz definitivamente está longe da montagem, mas talvez esteja em todos os outros lugares. Como se trata de uma obra melodramática sem qualquer refinamento, nós brasileiros nos encantamos pelo tratamento patife que é dado a tudo em cena. Dos personagens horríveis que cometem atrocidades com outros, até o protagonista que se assemelha a um bagaço de cana moída tantas vezes, tantas são as porradas que leva da vida e de outros personagens, as tintas são berrantes, não há qualquer sutileza que persiga a produção. Ao invés disso, seu roteiro episódico apressa os eventos para que estejamos constantemente em estado de clímax e quando poderíamos parar e observar (o desempenho de Amirah Vann, o desenvolvimento de Ira), somos sacudidos em busca de mais catarse, que vai esvaziando qualquer dramaticidade.
O que nos fica de O Homem do Jazz são suas camadas cada vez mais grotescas de histeria. Como quando Bayou vai tentar fugir com sua amada e ela é arrastada dele, a câmera sobe e ouvimos apenas a gargalhada aguda e estridente do avô pedófilo; ou o pai alcoólatra do protagonista indo embora de casa em uma cena onde os quatro personagens em cena gritam sem parar. Atores e profissionais pretos não precisam desse tipo de veículo para reafirmar estereótipos, ou atualizar sentimentos de desamor e perseguição. Ainda que Tyler Perry tenha cometido alguns desserviços em sua carreira, me pergunto se essa tentativa de parecer clássico-narrativo não fornece o oposto do longa protagonizado por Viola Davis em cartaz. Não somente se recusa a reformular dados étnicos a respeito do seu próprio povo e das imagens que produz às novas gerações, como ainda insiste em vender tragédias racistas como maneiras de provocar debate. Que novo debate podemos abrir diante de ideias antiquadas, e que, ainda por cima, são extremamente mal dirigidas?
Um grande momento
Giro em 360 graus da primeira apresentação profissional de Bayou
A resenha sobre o filme se limitou à camada superficial do filme, sem perceber a trama de valores que compõe o enredo
Simplesmente sem valor esse texto longo, preconceituoso e ressentido.
Discordo em tudo dessa crítica. Esse jornalista precisa de autocrítica urgente em seus comentários.
Discordo completamente dessa critica. O filme e grandioso.