Crítica | Streaming e VoD

100 Medos

Ansiedade a mil

(Per Lanciarsi Dalle Stelle, ITA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Comédia, Romance
  • Direção: Andrea Jublin
  • Roteiro: Alice Urciolo
  • Elenco: Federica Torchetti, Celeste Savino, Lorenzo Richelmy, Cristiano Caccamo, Anna Ferruzzo, Massimiliano Gallo, Valentina Carnelutti, Erika Vanucci
  • Duração: 85 minutos

Pra quem acompanha meus textos, observa que alguns temas parecem recorrer com alguma frequência entre as abordagens, mas a culpa disso não é minha, e sim das produções que parecem estar em consonância temática. Um recente que tenho observado é sintoma direto da pandemia, que parece ter acendido nos realizadores (por também perceber essa temática no espectador) é o quanto a pandemia do covid-19 gerou de sintomas escondidos de doenças psicológicas, que explodiram em dois anos. 100 Medos estreou na Netflix e tem tudo para ser mais uma comédia romântica – e dramática – de sucesso do streaming. O caminho aqui é o da ansiedade patológica, daquela que precisa ser tratada medicamente, que a produção não trata como reflexo direto, mas que está em voga por conta dos acontecimentos dos últimos dois anos. 

O diretor Andrea Jublin foi indicado ao Oscar há 14 anos pelo curta-metragem Il Supplente, o que o colocou no olho do furacão. Ele não apressou sua carreira e entrega agora seu terceiro longa, sem apressar os processos. Com uma mão onde o sensacionalismo não está presente, o diretor persegue aqui angústias de todos os tempos que refletem o nosso, sem deixar de discutir processos etários no meio do percurso. Afinal, o crescimento é sim um somatório de motivos para desenvolver ansiedade, depressão e dependências emocionais, o que faz de 100 Medos universal e atemporal. Cabe no hoje de maneira literal, mas não deixa de refletir sintomas que o fim da adolescência legou a todos: como vencer os medos de ser alguém?

100 Medos
Andrea Gabellone/Netflix

Tendo eu mesmo uma propensão à ansiedade, o filme é um manancial de gatilhos uns em cima dos outros. A identificação particular é um efeito, mas a identificação popular com tais afazeres em cena transformam a sessão em uma sessão exorcista de muitas questões. Mas, para além do reflexo invertido, 100 Medos funciona em sua estrutura dramática, e cria uma personagem plena de possibilidades. Sole é uma jovem prestes a completar 25 anos que não consegue criar uma autonomia em relação aos seus gatilhos, tão fortes que a impedem de realizar inúmeras coisas. Ela nunca viajou pois tem medo de avião, nunca trabalhou, nunca namorou, nunca andou de bicicleta, nunca teve outra amiga que não sua vizinha, e quando uma tragédia se abate sobre essa amizade, a menina precisa refletir sobre o que não a deixa evoluir. 

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A atriz Federica Torchetti é tão feliz na construção de sua protagonista, que muitas vezes nos comunicamos com a produção, na intenção de conseguir compreender Sole. Há carisma e energia, mas principalmente não falta talento ao que ela coloca em cena, em cenas que denotam sua entrega. Rapidamente, Sole se torna alguém que nos faz presenciar sentimentos ambíguos, como uma vontade absurda de colocá-la no colo e de perder em absoluto a paciência com suas atitudes. É um trabalho encarado com muita seriedade e comprometimento, que o filme nunca resvala para a caricatura. O que vemos em cena é sério, tratado com competência, e a atriz contribui para manter sua transcrição intacta de qualquer deboche. E isso não é tarefa fácil, vide que 100 Medos trafega pela comédia, inclusive com qualidade. 

100 Medos
Andrea Gabellone/Netflix

Recheado de comédias românticas adolescentes vindas da Itália, a maioria muito fracas como O Sol de Riccione, a Netflix não costuma dar sorte com o resultado desses produtos. O quadro muda com 100 Medos, uma produção de qualidade nessa combinação de fatores, que além de tudo não deixa de apresentar uma situação séria envolvendo sua protagonista. Com responsabilidade, o roteiro de Alice Urciuolo baseado em livro de Chiara Parenti aborda os traumas da personagem sem tornar a produção pesada ou arrastada, um programa que atrai seu público-alvo sem perder o interesse de quem já passou pela idade. Com um visual leve e uma atmosfera descontraída, a produção transforma questões muito arriscadas em um programa de qualidade, sem perder a importância. 

Ainda que não defina com a mesma qualidade a personalidade dos coadjuvantes assim como a de sua personagem principal, e deixando as linhas gerais de cada um deles muito aberta para que possamos ler com facilidade, 100 Medos acaba valendo também pela quantidade de exemplos inferiores de sua seara. Aqui e ali, alguns deles até parecem ter um desenho raso demais, mas como o foco é principalmente em Sole, a produção acaba sendo perdoada. Esbarrar com um título responsável assim, que não ofende a inteligência de seus espectadores e ainda conta com uma direção fluida, é o que muitas vezes estamos na expectativa de encontrar. 

Um grande momento

Sole mergulha

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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