Crítica | Festival

Run Rabbit Run

Nunca é tarde

(Run Rabbit Run, AUS, 2023)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Daina Reid
  • Roteiro: Hannah Kent
  • Elenco: Sarah Snook, Greta Scacchi, Damon Herriman, Mezi Atwood, Lily LaTorre, Georgina Naidu
  • Duração: 100 minutos

Já faz 157 anos que o livro “Alice no País das Maravilhas” foi lançado apresentando ao mundo o signo do Coelho Branco, aquele que conduz Alice em uma viagem através de mundos para que conheça uma nova realidade. Em Run Rabbit Run, Alice faz a viagem de volta, e vem de um passado sinistro, que não é só dela e está escondido há tanto tempo que mal se lembram de existir.

Dirigido por Daina Reid (The Handmaid’s Tale), com roteiro de Hannah Kent, o terror australiano é um filme que se baseia no luto. Sua protagonista sofre a perda do pai e, como é natural, nessa ausência, vê seus fantasmas virem à tona, a relação perdida com a mãe e a infância deixada para trás, personificada na filha ainda pequena. O contato forçado consigo mesma e com seus monstros é inevitável e, com o horror em sua função mais efetiva, isso vem numa alegoria potencialmente apavorante.

Run Rabbit Run
Cortesia Sundance Institute/Sarah Enticknap

A sensação do medo passa a ser uma constante no cotidiano de Sarah e isso contamina todo o filme, com a diretora conseguindo trabalhar bem, por boa parte do tempo, a suspensão. Até entregar-se ao explícito, Run Rabbit Run se usa de elementos externos que potencial e tradicionalmente levam a trama a esse estado e tem um roteiro que sabe como instigar o espectador, em especial com a dubiedade que se estabelece num primeiro momento.

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“Eu sinto falta de pessoas que eu não conheci o tempo todo.”

Sobre uma história simples, o que se desenvole é original e interessante, principalmente pelo modo como encara o luto, a culpa e a dificuldade de seguir adiante, mas há um descontrole incômodo depois que as coisas se tornam mais evidentes. Como se a chegada ao que é declarado não exigisse mais elaboração e pudesse ser apenas substituído pelo gráfico.

Run Rabbit Run
Cortesia Sundance Institute/Sarah Enticknap

Ainda assim, é inegável como o Run Rabbit Run consegue se aproveitar dos ambientes, sejam eles naturais ou não, para criar ainda mais horror e, como Reid consegue manipular as sensações, em especial quando não está sendo tão direta. Ela também sabe como valorizar o trabalho de sua atriz principal, peça fundamental para o desenvolvimento do longa. Sarah Snook, a Siobhan de Succession, impressiona como Sarah, uma mulher que vai se degenerando em sua própria perturbação.

No final das contas, nessa desconfiguração do Coelho de Alice, é destrinchando o que está por trás dos signos que está a maior força de Run Rabbit Run. Nessa volta que vem com a perda, na mulher que vai sentir até o limite da sua dor e sua culpa, há algo de humano que é bem interessante.

Um grande momento
Tesoura

[Sundance Film Festival 2023]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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