Crítica | Streaming e VoD

Amor ao Primeiro Beijo

Entre a segurança e o medo do desconhecido

(Eres tú, ESP, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia romântica
  • Direção: Alauda Ruiz de Azúa
  • Roteiro: Cristóbal Garrido, Adolfo Valor
  • Elenco: Álvaro Cervantes, Silvia Alonso, Susana Abaitua, Gorka Otxoa, Pilar Castro, Fabia Castro, Ninton Sanchez, Paula Muñoz
  • Duração: 93 minutos

Todas as histórias de amor valem a pena. Todos os amores são merecidos e justos de serem vividos. Mas… e se soubéssemos como seria todos os dias, todas as curvas, toda e qualquer nuance apresentada pela pessoa que percebemos ser O Amor da nossa Vida? Não é necessariamente sobre isso, mas também é, do que se trata Amor ao Primeiro Beijo, novo sucesso da Netflix, que brinca com a magia daquelas que só o cinema são capazes de proporcionar, e melhor: não tenta verbalizar (literalmente) tudo o que está acontecendo. Isso é o meu trabalho – ou não, e no meu caso, não mesmo. Os autores de um filme deveriam ter outras preocupações que não as de induzir, doutrinar ou ensinar o público a respeito do que ele está assistindo. 

Apesar de ser escrito por dois homens (Cristóbal Garrido e Adolfo Valor), Alauda Ruiz de Azúa estar atrás da cadeira de direção congrega esse tipo de sensibilidade ao projeto, de conjecturar outras saídas para o sonho que toda ficção, no fundo, é. Ao deixar o público sentir o andamento e a cadência daquelas relações, ao permitir que o protagonista ande com suas próprias pernas e não seja ajudado mutuamente na direção de um público cada vez mais sedento de respostas fáceis, Amor ao Primeiro Beijo nos respeita. É uma comédia romântica, dessas que poderiam e deveriam ser produzidas por Hollywood, e que não vemos mais, embora fique muito feliz ao ver um filme pop de qualidade surgir de outras esferas. 

Amor ao Primeiro Beijo
Netflix

A sinceridade da realização, a confiança no projeto, não deixa de nos mostrar os lugares onde Amor ao Primeiro Beijo poderia ter chegado, porque o que é benéfico também envenena. Essa assertividade em relação ao projeto, e a tranquilidade com que trata seus personagens, não faz o roteiro perceber que deveria ter promovido uma aproximação maior entre os protagonistas do filme – e ao assistir, o espectador irá perceber quem são. Há uma construção ali pedindo para acontecer, mas o filme deixa nas entrelinhas demais o que (aí sim) pedia uma intervenção maior, não a título de explicação, mas como base a uma ideia de amor que não tem a ver com a elaboração prévia, mas com algo que não depende de quem o vive. 

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Em nome de fazer valer sua teoria – que é sim muito saudável em sua costura – o filme promove na sua exata metade uma reviravolta silenciosa, sem agudeza. Apenas uma imagem desconhecida que passa a povoar a imaginação do personagem central, ao olhar para o desconhecido. Quando vivemos presos ao cinismo, o medo do desconhecido é uma válvula que nos é fácil de abraçar; não há porque tentar nada de surpreendente, porque as respostas dadas já nos contemplam o suficiente. E é aí que está a graça: descobrir o emaranhado do inédito, viver algo inusitado e inesperado pela primeira vez, vai muito além do que entendemos como nossa verdade absoluta. Se alguém simplesmente acha que “eu sou assim e não vou mudar”, e deixa de permitir a chegada do novo, simplesmente se fecha em um mundo de repetições. 

Amor ao Primeiro Beijo
Netflix

Além da narrativa, Amor ao Primeiro Beijo esteticamente não é exagerado ou rebuscado em excesso, apenas tem a dinâmica suficiente para atingir um público hoje anestesiado pela correria que eles pensam ser o comum. A produção tem o diferencial que falta a muitas produções bancadas pela Netflix, mas não exacerba seus intentos. Tem mais a ver com ritmo e proporcionalidade do que necessariamente com o que excede. Desse jeito, somos “obrigados” a não apenas olhar na direção do produto, mas ver o que está por trás das imagens, sem provocar estímulos excessivos. Não é um passatempo inofensivo, mas também não se pretende revolucionar o mercado, ou seja, um filme médio cheio de qualidades e de algo a dizer.

Álvaro Cervantes é um ator em ascensão na Espanha, e aqui consegue trazer para si as cargas necessárias que esse papel pedia. É um típico ‘boy lixo’, que demonstra a arrogância necessária de quem consegue “prever o futuro”; ora, é muito fácil descartar alguém quando você imagina tudo que está por vir. O difícil é manter a coragem de encarar uma realidade absolutamente desconhecida, que precisa de nosso empenho para o ato de desbravar. Seu empenho e a forma como ele nos convence de suas tão diferentes maneiras de se colocar é um dos trunfos desse Amor ao Primeiro Beijo, filme que fala sobre muito mais gente ao nosso redor do que poderíamos supor. 

Um grande momento

A descoberta da verdade, no alto do prédio

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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