- Gênero: Policial
- Direção: Uluç Bayraktar
- Roteiro: Mehmet Eroglu, Damla Serim
- Elenco: Nejat Isler, Nur Fettahoglu, Senay Gürler, Ilayda Alisan, Ilayda Akdogan, Erdal Yildiz, Ata Artman, Esra Ronabar, Baris Falay
- Duração: 120 minutos
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A Netflix tinha segurado a estreia de 10 Dias de um Homem Bom do mês passado pra essa última sexta, e agora enfim podemos conferir mais um filme turco do streaming que vem para diversificar ainda mais o catálogo dessa geografia. Não estamos mais falando de um melodrama antiquado, ou uma comédia romântica vazia, ou uma espécie de compêndio do cinema indie, mas de uma ideia pouco inédita, mas ao menos imaginativa e refrescada. Ainda que guarde também os problemas inerentes ao gênero (ou a como o espectador reage a ele), trata-se de uma espécie de revitalização no ‘noir’ para os dias ainda mais cínicos de hoje, agregando colheradas de comédia sarcástica e amarga ao tom de seu protagonista, logo, também ao filme. Parece que O Beco do Pesadelo já surtiu efeito, porque até o fim do mês teremos a estreia do novo filme de Neil Jordan, Sombras de um Crime, esses dois mais tradicionais que aqui.
O filme é dirigido por Uluç Bayraktar, veterano de séries de TV, em sua segunda direção em longa. Conduz sua direção com cuidado e procurando manter um ritmo gradativo que impõe um tom independente de seu formato cinematográfico, sem trair o mesmo. Não se trata, por isso, de um filme de ação veloz, mas de um projeto investigativo, com uma leitura de personagem bem interessante. Apesar da dedicação, não há uma assinatura muito marcada no projeto, apenas a intenção de realizar esse intento com as maiores características possíveis, sempre respeitando o gênero onde está bebendo. Dessa prerrogativa, 10 Dias de um Homem Bom sequer tenta fugir, mas sim aproveitar para si o que de melhor teria para essa absorção de um gênero em outro tempo.
Digo isso porque há essa intenção de montar um quadro de desconstrução normativa no que o ‘noir’ sempre apresentou, sem deturpar suas ferramentas, mas entendendo que não estamos mais em 1950. Essa melancolia que gera o sarcasmo de Sadik, por exemplo, não era impossível de se imaginar em Humphrey Bogart, mas aqui está mais azeitada ao se comunicar com uma atmosfera que não está restrita a um detetive particular caído em desgraça. O ator Nejat Isler consegue comunicar isso muito bem ao se apropriar dos códigos postos à sua disposição, do mistério em questão, aos tantos de suspeitos, e até mesmo à quantidade de ‘femme fatales’ que o rodeiam – ao menos uma, absolutamente desconcertante.
Esse olhar enviesado para esse símbolo do ‘noir’ também ganhou roupagens alternativas aqui, com as três principais figuras em lugares mais clássicos. Temos a que causou a tormenta no protagonista, que retorna para um mais um momento de mostrar-se sem escrúpulos, a jovem prostituta que é apaixonada sem ser notada, mas o ajuda em seu equilíbrio pessoal, além da pós-adolescente viciada em sexo e em dinheiro, um manacial de problemas ambulante. A quarta ‘femme fatale’ é daquelas descobertas inesperadas que colocam 10 Dias de um Homem Bom como um filme absolutamente filho de seu tempo, com uma impressão muito acertada do universo que rodeia, e que ainda é mais saboroso de acompanhar ao nos darmos contas de que se trata de uma produção turca, e que aqui também ela se propõe a um olhar para 2023.
Ainda que realize com certo cuidado o que era de sua obrigação, Bayraktar não incumbe nada de muito relevante no projeto, e o filme ainda incorre nos excessos com a qual alguns ‘noir’ já padeceram. O número de personagens é um exemplo, que parece incomum e desnecessário, a não ser que a intenção era tornar a vida do espectador refém de nomes e funções que se misturam e atrapalham. 10 Dias de um Homem Bom incorre em problemas em relação ao seu tempo também, e em como cada cena parece mais distante do tema principal, perdendo seu interesse, já que a salada proposta acabou por permitir a entrada de todos os ingredientes mesmo. Reconhecemos a cara e a intenção, mas o sabor é uma mistura de elementos que se anulam e perdem as forças que tinham isoladamente, como a trupe de vilões, onde apenas um parece ter uma proposta genuína, mas que sua leitura é feita mais à distância, uma pena.
Além de Isler, uma outra performance carrega o coração de 10 Dias de um Homem Bom. A presença de Ilayda Alisan como a jovem Fatma, absolutamente entregue a uma paixão por um homem mais velho, é a porta de entrada para nossa empatia com a obra. Com uma sedução cheia de doçura, nada objetificada pelas imagens e tratada com carinho que se desdobra a cada chegada de novos elementos, Alisan é de uma delicadeza que contrasta com a também incisiva Ilayda Akdogan, como seu oposto. São duas personalidades que não contracenam, mas elevam a temperatura de um filme que apenas queria provar uma tese, e acaba despertando curiosidade um pouco maior.
Um grande momento
O encontro com o Chefão