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O Beco do Pesadelo

Ilusão de grandeza

(Nightmare Alley, EUA, MEX, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Guillermo del Toro
  • Roteiro: Guillermo del Toro, Kim Morgan
  • Elenco: Bradley Cooper, Cate Blanchett, Rooney Mara, Toni Collette, Willem Dafoe, Richard Jenkins, Ron Perlman, Mary Steenburgen, David Strathairn
  • Duração: 150 minutos

Homo homini lupus. Se o homem é o lobo do homem, seu principal nêmesis, como afirmara Thomas Hobbes,o egoísmo, a maldade e a infâmia humanas encontraram uma das grandes traduções literárias em “O Beco das Almas Perdidas”, a obra clássica de William Lindsay Gresham.

O estudo da real natureza de um homem, no caso de Stanton Carlisle perturba por ser uma traduçao muito fidedigna da ruina que provoca o excesso de ambiçao. As metáforas católicas, em especial os sete pecados capitais, estão sugestivamente presentes na adaptação de Guillermo del Toro, do cartaz do filme Beco do Pesadelo até os cenários das tendas da feira de variedades (bem semelhante aquela de Peixe Grande ou o circo de Dumbo, ambos de Tim Burton) de onde emergem vaidades em meio aos divertimentos.

O Beco do Pesadelo
Kerry Hayes/20th Century Studios

O filme, tão portentoso quanto A Colina Escarlate, com destaque para a fotografia de Dan Laustsen, toma um caminho mais distanciado do noir da primeira versão cinematográfica, optando por ser um remake burlesco e luxuoso, com ambientação perfeita nos anos 1940, assinado por del Toro e Kim Morgan – que já falaram em algumas entrevistas que optaram por adaptar o material original e ignorar o filme de 1947. O Stan Carlisle de Bradley Cooper é mais perturbador que o sedutor picareta vivido por Tyrone Power, o que estabelece uma gradação diferente, mais próxima ao drama que flerta com o horror recheado com elementos pulp do que do noir. Como um falso profeta, Stanton vai se cercando de discípulos, seguidores e comparsas, papéis desempenhados por mulheres: a vidente Zeena (Toni Collette), a eletrificada mocinha Molly (Rooney Mara) e a psicanalista Dra Lilith (Cate Blanchett). Grandes atores em papéis coadjuvantes ajudam a solidificar a jornada de Stan, do início humilde até o apogeu, como é o caso do mentor Pete (David Straithairn), do mestre de cerimônias Clem (Willem Dafoe) e do cliente Ezra (Richard Jenkins); Clem inclusive tem um hobby de colecionismo que rende duas cenas boas e que aprofundam o arco de Stan e sua degeneração total.

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Progredindo como madeira que queima devagar, O Beco do Pesadelo seduz mas, por um erro de percurso que poderia ter sido identificado no roteiro ou na sala de edição, carece de um ritmo mais sofisticado e tenaz. A sensação de que o filme tem dois tomos que não dialogam causa incômodo, sendo o primeiro segmento no “circo de curiosidades” interessante, ainda que em algumas cenas, modorrento ou longo demais – mesmo quando cruza as memórias de Stan sobre a morte e o fogo que o fizeram fugir – e o segundo, onde ele se estabelece como mentalista famoso, empobrecido sem personagens cativantes ou situações suficientemente pitorescas. Até pelo fato de que, com exceção da cena inicial e do desfecho, o enredo é desenvolvido exatamente como no filme de Edmund Goulding.

Kerry Hayes/20th Century Studios

A solapada do destino faz Stan voltar a mesma situação do princípio, almejando um trabalho no circo de variedades, preso numa armadilha que ele reconhece mas não consegue sair. Morgan e del Toro constroem assim, de forma elíptica, a história de um homem que tenta afugentar seus demônios usando máscaras e ludibriando aqueles que acreditam, mas termina sendo consumido pela sua vaidade até enxergar sua verdadeira natureza. Acentuam o drama presente na literatura, tiram o fio de esperança na remissão de pecados do filme anterior e se mantêm fidedignos à ideia de que Stan reflete o melhor e o pior de nós.

Um grande momento
Clem conta a historia do selvagem

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Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
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