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O Amante de Julia

Desserviço ao feminino

(O Amante de Julia, BRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Vinicius Coimbra
  • Roteiro: Vinícius Coimbra, Luis Alberto de Abreu, Priscila Steinman
  • Elenco: Fernanda Rodrigues, Lu Grimaldi, Mel Lisboa, Bianca Bin, Luisa Arraes, Sérgio Guizé, Romulo Estrela, Priscila Steinman
  • Duração: 105 minutos

O diretor Vinicius Coimbra já pode ser reconhecido como um grande nome da tv, apesar dos 50 anos. Diretor de trabalhos televisivos emblemáticos como as premiadas Lado a Lado, Liberdade Liberdade, Novo Mundo e uma adaptação para a telinha de ‘Ligações Perigosas’, ninguém há de negar suas capacidades imagéticas na televisão. No cinema, depois da promissora estreia no remake de A Hora e a Vez de Augusto Matraga, o que se pode dizer é o oposto, e o lançamento hoje de O Amante de Julia no Telecine Play volta a reafirmar sua irregularidade artística; como pode um mesmo nome ter tanta habilidade em um veículo e não conseguir transpor nada para o outro?

Depois de realizar uma incompreensível adaptação de “Macbeth” de Shakespeare (A Floresta que se Move), Coimbra se aventura em um olhar para a obra de D. H. Lawrence, “O Amante de Lady Chatterley”, quase 100 anos depois de sua primeira publicação. Escrito a seis mãos incluindo as do diretor, o filme mistura diferentes lados do machismo para ponderar e reestruturar, tentando sempre trazer mais uma visão antiga acerca de todos os assuntos possíveis. É um quadro meio indigesto que em nenhum momento tenta parecer menos arcaico e carcomido, inclusive nos momentos que precisa parecer desconstruído e apenas soa como oportunista.

Com um elenco repleto de estrelas de primeira grandeza, incluindo muitos femininos, é difícil imaginar esse roteiro sendo apresentado e nenhuma restrição a ele tenha sido aventada, ainda que uma das atrizes esteja no trio de roteiristas (Priscila Steinman, indescritível). Mesmo que se trate de um original de 1928, alguns posicionamentos de personagens soam anacrônicos e algumas reações simplesmente não cabem em nenhuma hipótese. Quando o filme tenta subverter os papéis e situa uma mulher tratando um homem como objeto, todo o discurso do filme corrobora para tirar uma possível ironia da cena e deixar apenas o incômodo tradicional, diminuindo a força das mulheres no filme.

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Se narrativamente O Amante de Julia tem diversas questões nocivas tratadas com uma naturalidade incondizente com a atualidade, além de revelar personagens com duas cenas, com três minutos (o que Marcelo Serrado faz em cena, para liberar um gatilho feminista no filme sem qualquer bagagem prévia que justifique que seu personagem sequer apareça?), imageticamente o filme vaga entre a inexistência de tratamento de planos e filtros, e uma utilização desnecessária do fade out, que cria uma barreira entre o que se vê e o que se imagina enquanto realidade; das atitudes ao desenho de personagens, passando pela simples presença de alguns elementos e tudo em cena é profundamente falso.

Não há sentimento que se observe com organicidade, tudo é programado e executado como obedecendo ordens prévias, sem qualquer envolvimento do espectador em seu emocional. Uma única personagem surge em cena e revela uma faísca de possibilidades, que se encerram 10 minutos após, quando ela sai de cena. Mel Lisboa, que amadureceu como atriz e hoje é uma presença exuberante nesse jogo de erros, injeta a vida e o fulgor em cena que não tinha dado as caras até sua entrada, e volta a escapar assim que seu carro se afasta do set, também levando consigo qualquer rastilho de interesse mínimo.

Além de Lisboa, Steinman e Serrado, o enorme elenco conta com Bianca Bin, Sergio Guizé, Romulo Estrela, Lu Grimaldi, Fernanda Rodrigues, Luisa Arraes – e nenhum deles é responsável por algo que não sua própria estupefação diante do quadro geral – e uma inacreditável participação de Matheus Nachtergaele, que, coitado, simplesmente não tem o que fazer em um desdobramento fajuto e sem qualquer valor para a narrativa. O Amante de Julia, que estreia inédito sem passar pelos cinemas, praticamente não conta com divulgação de material pictórico, como se todos quisessem fugir de sua existência. Ao vê-lo, entendemos todos os motivos, impossíveis de retrucar.

Um grande momento
Mel Lisboa conseguir naturalizar tudo que faz em cena

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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