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Quatro Dias com Ela

Gol de atrizes

(Four Good Days, EUA, CAN, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Rodrigo García
  • Roteiro: Eli Saslow, Rodrigo García
  • Elenco: Glenn Close, Mila Kunis, Stephen Root, Joshua Leonard, Carla Gallo, Nicholas Oteri, Audrey Lynn, Chad Lindberg, Sam Hennings, Rebecca Field
  • Duração: 100 minutos

A parceria entre Rodrigo Garcia e Glenn Close é duradoura e cheia de pontos altos e baixos – em alguns casos, chega a ser um ponto alto e baixo dentro do mesmo projeto. Quatro Dias com Ela é o novo ponto de encontro entre o diretor e uma das maiores atrizes que o cinema americano já nos deu, infelizmente naquela marca nada qualitativa de “atriz (ou ator) com o maior número de indicações ao Oscar sem vencer”, o que não a trava como atriz. Ou a impele a aceitar projetos que sempre a coloquem no campo de visão da temporada de prêmios, o que até acredito que fosse o caso aqui. Não tornou a acontecer, mas é sempre muito mais um problema e uma culpa que a Academia tem de lidar do que falta de merecimento dessa gigante.

Sob o comando de Garcia, Close já foi premiada em Locarno (Questão de Vida) e já foi indicada ao Oscar (Albert Nobbs), então entendemos que esse laço não se desfaça com facilidade. O novo filme não pode ser vendido como um (melo)drama comum, no sentido de não nos fornecer algo verdadeiramente novo. Essa é a praia de Garcia, ainda que seus longas iniciais (principalmente Coisas que Dizemos só de Olhar para Ela) ofertassem uma sofisticação maior de elementos e de condução, esse é um lugar confortável ao filho de Gabriel Garcia Marquez – a dramaticidade de seu olhar para as relações humanas, geralmente familiares. Sua preocupação com a dramaturgia é um ponto focal que demarca seus projetos, para o bem e para o mal.

Aqui ele retorna com o tratamento narrativo sendo colocado à frente da mise-en-scene, que não oferece maior escopo que um palco para suas duas protagonistas antagonizarem suas divergências. O roteiro, de Garcia e Eli Saslow, parte de um artigo jornalístico escrito pelo segundo a respeito da relação entre mãe e filha, como é retratado aqui. Uma atmosfera opressiva de culpabilidade de ambas as partes e mágoas que atravessam décadas são decantadas até com um certo comedimento, sempre mantendo a esfera familiar como decisória a respeito de como transformar uma situação tão delicada em crescente entendimento.

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Não demora pro filme demonstrar que dedica pouca atenção a tudo que não se comprometa diretamente a Molly e Deb, seu passado específico, e não aos namorados de Molly, não ao ex-marido de Deb ou ao atual, muito menos a irmã de Molly, que também é filha de Deb. Tudo que gira em torno delas é eclipsado pelo roteiro, que não se dá conta de que saber mais sobre as relações delas com os outros era trazer mais elementos para a relação existente entre elas mesmas. Essa concentração, que já deu certo em outras narrativas, aqui atrapalha o conflito, ou encerra uma discussão a nível tão pessoal que torna inverossímil que seja tão deixada de lado qualquer outra relação.

O que segura o filme do início ao fim é a parceria entre Close e Mila Kunis como as protagonistas. Entendendo cada nuance de suas personagens, ambas trilham propostas muito complexas para se aprofundar no complexo terreno da culpabilização pelos erros passados e presentes. São mulheres contraditórias, que escolheram suas próprias trajetórias e com isso feriram uma a outra, provocando cicatrizes mais evidentes na filha que na mãe, que esconde uma história de abandono e procura pela liberdade. Em tempos de A Filha Perdida e de uma nova reflexão acerca do que é subtraído de uma mulher na maternidade, Quatro Dias com Ela discorre sobre esse tema mais uma vez, adicionando novas porções de autoria a dramas universais e eternos.

Garcia, por sua vez, assiste ao trabalho realmente acima da média de duas atrizes em plena função de seu ofício e pouco acrescenta ao que poderíamos chamar de realização. Quatro Dias com Ela acaba por ser mais um título para que Close e Kunis incluam no portfolio, e um veículo para Diane Warren receber mais indicação ao Oscar de canção – aqui, talvez a mais desnecessária de sua carreira. Como temos em cena desempenhos notáveis, situações verdadeiramente tocantes entre mães e filhos, e mais uma discussão pertinente sobre maternidade e vício em drogas, o filme acaba por permitir que nosso interesse persista ao longo de sua duração.

Um grande momento
O primeiro encontro entre mãe e filha

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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