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Segundo Tempo

A construção da identidade

(Segundo Tempo, BRA, ALE, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Rubens Rewald
  • Roteiro: Rubens Rewald
  • Elenco: Priscila Steinman, Kauê Telloli, Michael Hanneman, Laura Landauer, Jochen Stern
  • Duração: 105 minutos

Rubens Rewald tem ao menos um grande filme na filmografia, Super Nada – co-dirigido por Rossana Foglia – e é incrível como esse filme vem conversar com sua estreia, Segundo Tempo, que consegue chegar ao circuito, finalmente, depois de anos pronto. São duas histórias sobre uma busca de autoconhecimento, sobre investigação de uma identidade que parece correr de nós, e que nem sempre corresponde ao que vemos quando olhamos no espelho. Enquanto o personagem de Marat Descartes no filme de 10 anos atrás tentava encontrar uma voz dentro de si ao investigar seu futuro dentro da arte entendendo o mercado, os irmãos protagonistas aqui são mais jovens, e por isso também muito mais perdidos quanto ao seu lugar no mundo. 

Isso fazia sentido há cinco anos atrás, quando o filme foi produzido, e faz muito mais hoje. O mundo, que é cada vez mais dominado pela juventude (que embora em menor número, está dominando o poder de consumo, entre outras coisas), em contrapartida não consegue elaborar uma saída quanto à sua própria identidade. Isso é natural de quando estamos começando a vida, e um dos problemas é o fato de que esse início de vida vem sendo postergado cada vez mais para a frente pelas novas gerações. A mesma se vê cada vez mais perdida em relação a si e ao mundo, que lhes dá pacientemente mais tempo. Parece fácil assim, né? Mas não é. Essa paciência é uma armadilha cada vez mais robusta, que aprisiona um grupo de pessoas para que elas encontrem seu lugar; é um moto perpétuo que gera ansiedade, depressão e cada vez mais estagnação. 

Segundo Tempo
Divulgação

É exatamente nesse lugar que estão os recém-órfãos Ana e Carl, distantes entre si, mas de elaboração muito mais próxima do que gostariam de admitir estar. Filhos de um imigrante alemão, não fazem ideia da história familiar porque estão muito ocupados chafurdando na ausência de respostas às suas particularidades. Se não há conexão entre eles, também não há muito sentido em suas existências, e se encontram meio que vagando sem rumo e sem muita vontade de encontrar as tais respostas. O estalo enfim pega Carl quando ambos se veem sozinhos, e ele decide fazer algo sem qualquer certeza quanto aos resultados. O que talvez Segundo Tempo mostre é que essa busca também é superestimada, enquanto vetora de propósito e finalização. 

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O que talvez falte à nova geração não é um encontro transcendental em relação ao cerne de suas vidas, mas a certeza de que é a busca que trará o sentido metafísico. Sempre foi sobre essa base, tão repetida em tantas narrativas: não é sobre o destino, e sim sobre o caminho. Segundo Tempo pega essa moral da história tão batido e não traveste apenas seu desfecho, mas toda a busca psicológica por trás dessa pressão inumana que a sociedade acomete seus indivíduos – cada vez mais, em qualquer idade. É sobre a construção e a manutenção de um estado de busca constante por algo que obrigatoriamente não precisa existir, que é a sede pelo conhecer, aos outros e a si mesmo. É dessa fagulha que os sorrisos, enfim, trocados entre Ana e Carl clamam por fazer sentido, um relaxamento para que possamos sempre querer mais. 

Segundo Tempo
Divulgação

Essas ideias bem sucedidas não chegam a ocultar a realização de Rewald, que não tem a assertividade que compete aos seus personagens, em sair do estado de letargia que se encontram. Segundo Tempo tem a mesma energia ausente de Ana e Carl, e parece seguir uma zona de relaxamento em uma tranquilidade quase inexplicável. Se seus protagonistas rateiam em conseguir expor suas intenções, não deveria caber a produção a utilização das características reproduzidas no escopo da imagem. Trocando em miúdos: a entrada do espectador na narrativa é dificultada pela criação de suas limitações de ritmo, porque temos em cena dois sujeitos cuja empatia não é trabalhada em nenhum momento, e com isso não conseguimos realizar o mesmo com eles. 

Tanto Priscila Steinman quanto Kauê Telloli corporificam seus tipos da maneira mais delicada possível, dentro do que o roteiro de Segundo Tempo os supre. Não é o suficiente para transformar o quadro geral, mas o filme de Rubens Rewald carrega essa ideia de reproduzir um movimento de libertação dentro da letargia que acompanha a formação de nossa identidade. Isso sim é muito poderoso e pode mostrar que os resultados não importam tanto, se os indivíduos não estão em paz consigo mesmos. 

Um grande momento

Ana e o senhor alemão

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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