- Gênero: Drama, Policial
- Direção: Iberê Carvalho
- Roteiro: Iberê Carvalho, Pablo Stoll
- Elenco: Paulo Miklos, Thaíde, Dandara de Moraes, Bidô Galvão, Thalles Cabral, Bruno Torres, Theo Werneck, Mauro Schames, Fernanda Rocha, Murilo Grossi, Roberta Estrela D'Alva, Felipe Kenji
- Duração: 80 minutos
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Há um avanço de realização entre O Último Cine Drive-in e essa estreia de O Homem Cordial, que coloca Iberê Carvalho sob outra perspectiva. Não exatamente no sentido qualitativo, mas sua troca de dinâmica em cena, indo de um drama com uma pega interiorizada para um thriller de tintas políticas, denota um direcionamento de suas intenções enquanto profissional. Indo de um pólo a outro sem deixar de demonstrar apetite pela construção imagética e suas propostas de gênero, Carvalho interessa pelo que costura como diretor, a forma como o seu cinema parece moldar-se ao que ele se interessa na ocasião. Em dois longas, vemos um caminho tão distinto que se interliga pelo grau de envolvimento de seu realizador com o que está contando.
Depois de demonstrar um afeto desmedido pelo cinema e pela arte de contar histórias em seu filme anterior, O Homem Cordial aposta em um lado sem rodeios para falar de um sem número de problemáticas urbanas modernas. Estamos diante de racismo, da disseminação de fake news, da repercussão e rapidez de um cancelamento virtual, da busca por uma segunda chance dentro de um mercado predatório, de alguma forma até sobre etarismo está sendo falado. Algumas questões são mais bem abordadas que outras, mas acima de tudo o que fica é a rapidez com que muitas coisas acontecem, atropelando eventos que se desmontam em poucas horas – e em um flashback. Falta fôlego ao espectador menos preparado para a metralhadora giratória, que começa muito a esmo (como deveria ser), até se tornar mais concisa.
Essa saraivada de balas que o filme dispara em aproximadamente 20 minutos não tem mira certa, e aos poucos entendemos que Carvalho pretende acertar todos que passarem na frente de sua narrativa. Para ele, quase todos têm culpa pelo que está acontecendo, seja por ação direta, indireta ou mesmo inação; sobram poucas cabeças para passar a mão. Em muitos sentidos, me veio à cabeça @Arthur.Rambo, o vigoroso filme de Laurent Cantet lançado ano passado, onde um deslize do passado destrói a vida de um escritor promissor em 24 horas. Ambas as produções falam sobre como não precisamos mais de polícia, juiz, veredicto – tudo isso é conseguido na internet, de maneira muito mais rápida, eficaz e dolorosa. Se há culpa mesmo ou não?, nunca importou e hoje importa cada vez menos.
O que embaça O Homem Cordial é que, na ânsia de ouvir absolutamente todos os lados e tentar relativizar tantos problemas – e alguns deles definitivamente não são cinza, apenas preto ou branco – o filme soe como ‘em cima do muro’ um bom punhado de vezes. Aurélio, o protagonista vivido com sobriedade por Paulo Miklos, tenta entender tudo ao seu redor pensando como o homem branco que é, e da boca dele saem platitudes dignas de quem o filme parece criticar. Ok, não estamos falando de um herói, mas o filme não consegue sempre impor uma distância segura entre o discurso e a atitude final, que vaza dos personagens para a superfície das marcas. Isso quando tudo não se resuma apenas a discursos e panfletos retirados de algum manual.
Se o roteiro aqui acaba por ministrar motivos para que tenhamos restrições, a direção de O Homem Cordial é tão esfuziante, tão cheia de elementos sendo acrescidos a cada cena, que fica complexo de desqualificar o todo. Não exatamente maneirismos, mas Carvalho se mostra um exímio condutor de ritmo, e cheio de capacidade para voos maiores em ‘set pieces’ futuros. Aqui a dramaturgia não consegue acompanhar suas estripulias estéticas, mas a condução das imagens, a maneira nervosa como tudo é cronometrado no plano, a utilização do som como um elemento catalisador dos acontecimentos a cada sequência, deixam o filme com uma vibração muito efetiva em relação ao que está contando. Há frenesi real na sua curta duração, e o tempo extendido ou encurtado – seja qual for a escolha – provoca um princípio de vertigem, por não sabermos qual o caminho será percorrido.
Apesar da premiação no Festival de Gramado para Miklos, o grande destaque do elenco em cena é Thaíde, o rapper que não é de hoje impressiona nas telas (como em Antônia ou 2 Coelhos). Mas O Homem Cordial é um espaço playground onde ninguém se diverte mais que Iberê Carvalho, que parece encontrar nova disposição para se adequar ao que uma história exige de si, como cineasta. É uma tarefa de desprendimento da própria ideia da realização, porque a autoria parece vir impressa com a pura especulação da narrativa. Na verdade, é o descobrimento de um cineasta para o que ele pode oferecer de mais significativo: sua doação para o que cada história impõe.
Um grande momento
Mateus preso em uma gaiola