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Homens Brancos Não Sabem Enterrar

Amansando o que não deveria ser amansado

(White Men Can't Jump, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Calmatic
  • Roteiro: Kenya Barris, Doug Hall, Ron Shelton
  • Elenco: Sinqua Walls, Jack Harlow, Teyana Taylor, Laura Harrier, Lance Riddick, Vince Staples, Myles Bullock
  • Duração: 96 minutos

Existem uns filmes que mexeram muito na indústria de cinema americano, fizeram barulho na cultura deles, mas que aqui no Brasil não tiveram o mesmo tratamento, nem alcançaram o mesmo lugar atemporal. Homens Brancos Não Sabem Enterrar, estreia de ontem na Star+, tem a dura competição para o público estadunidense de renovar as linguagens e apetrechos da época, tais como os costumes e sua linguagem. Não exatamente a linguagem narrativa, mas a forma como seus personagens se relacionam entre si, sua mecânica de corpos e a forma como lidam com os temas apresentados. O passar dos anos motivou essa narrativa a se encaminhar para um lugar de menor gaiatice que o anterior, nosso tempos não encontram eco para o politicamente incorreto, ou foi uma decisão que não compartilha efeito com a doutrinação?

Tenho a impressão de que o tom generalizado foi equalizador para um lugar maior da leveza e de uma certa reflexão por trás do que é dito e mostrado, muito mais que no original de 30 anos atrás. De lá pra cá, não apenas a correção mudou os valores e costumes de ideias, mas algumas guerras aconteceram, as tensões raciais não arrefeceram e a economia americana colapsou, abrindo uma discussão mais veemente sobre as diferenças étnicas e sociais dos grandes centros urbanos. Homens Brancos Não Sabem Enterrar não quer ser uma produção de Spike Lee, com suas implicações políticas envolvendo seu lugar de fala, mas o que era jocoso no anterior aqui alçou um lugar de perigo constante ao personagem que anteriormente era de Woody Harrelson, aqui vivido pelo músico Jack Harlow. 

Aconteceu algo parecido na reimaginação de Um Maluco no Pedaço, que deliberadamente escolheu adensar as relações entre seus personagens, perdendo a provocação original. Em Homens Brancos Não Sabem Enterrar, o que fica explícito é justamente uma leveza e um aceno aos valores familiares, mudando o tom da produção, que acaba por abrir mão de um ‘timing’ cômico que era a essência da amizade entre Harrelson e Wesley Snipes – aliás, poderíamos rever um encontro entre esses atores, reprisando esses personagens ou não. Esse talvez seja o principal problema dessa nova versão, porque Harlow e Sinqua Walls (de Nanny) não tem a mesma química em cena, embora sejam bons em seus lugares; o espectador fica na expectativa de que sua rivalidade que se transforma em amizade acenda maiores fogueiras em cena, e tudo é tratado em banho maria. 

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Essa é a coloração dada à toda produção, que parece mais querer entreter o público que se dispuser a assistir, do que provocar as gargalhadas que a dupla original arrancava, com sua incendiária motivação. Aqui, as coisas parecem não fugir do controle em nenhum momento, movendo-se sempre na intenção do passatempo censura livre, sem maiores momentos de problematização. Na tentativa de mostrar algo menos cáustico, Homens Brancos Não Sabem Enterrar acaba soando mais anacrônico que o original, porque está em terreno de segurança de suas intenções. Todos são bons demais, não representam qualquer ameaça ao que a sociedade cobra, e estão correlacionados ao que os novos tempos tentam vender (embora o racismo ainda mate nos EUA), de que está tudo bem entre as raças. 

Calmatic é um diretor de videoclipes que estreou na direção igualmente esse ano com outro remake dos anos 90 – Uma Festa de Arromba. Claramente é um cara que cresceu assistindo esses filmes e chegou a uma indústria que vive de nostalgia, embora tenha visto suas produções serem aproveitadas no mundo todo para um público que perdeu o hábito dos cinemas. Com Homens Brancos Não Sabem Enterrar, ele atende a um desejo do mercado de apaziguar as movimentações para longe de polêmicas, embora Jeremy continue falando muitas besteiras e sua voz pudesse ser mais problematizada; o tipo é visto como um ‘sem noção’ perdido, e que não tem muita salvação. Há 30 anos atrás, mesmo uma comédia de meia temporada se permitia cobrar socialmente uma postura de mudança. 

Um exemplo da falta de esforço do filme é relegar às personagens femininas espaço irrisório, quando suas vozes são de clareza e responsabilidade. Se queria abrir espaço para uma revisão histórica, Homens Brancos Não Sabem Enterrar falha miseravelmente ao manter longe de uma cobrança efetiva o que falam Imani e Tatiana, duas mulheres muito mais conscientes que seus maridos. Não que os protagonistas não sejam facilmente percebidos como inferiores a elas, mas se eles não as ouvem, qual o sentido delas agirem como ‘grilos falantes’? Mais um ponto contra de uma produção que, na busca do conforto, se mostra apartado do nosso tempo. 

Um grande momento

O primeiro bloco de apostas de Kamal e Jeremy

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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