Crítica | Streaming e VoD

Fanfic

Encantamentos diversos

(Fanfik, POL, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama, Romance
  • Direção: Marta Karwowska
  • Roteiro: Marta Karwowska, Grzegorz Jaroszuk
  • Elenco: Alin Szewczyk, Jan Cieciara, Dobromir Dymecki, Krzysztof Oleksyn, Ignacy Liss, Agnieszka Rajda, Wiktoria Kruszczynska, Maja Szopa
  • Duração: 93 minutos

Mais um pra categoria “como é bom não ler sinopse nem ver trailer”: estreia de hoje da Netflix, esse Fanfic é uma daquelas descobertas que justificam qualquer assinatura de streaming. Eu poderia ficar muitos parágrafos aqui falando da importância e da tal da representatividade que estará em todos os textos (e que, ok, em algum momento eu vou abordar também), mas é desnecessário diante de uma produção que acerta tanto, em todos os sentidos. Acima de tudo, é o filme certo para a geração que mais consome audiovisual hoje: o jovem, aquele grupo que vai de uns 15 até uns 30 anos. A comunicação do filme é universal, mas se tem um grupo que sairá beneficiado aqui é especificamente esse, justamente o grupo a quem as qualidades do filme terão peso diferente. 

O palco de Fanfic é uma turma de ensino médio de uma escola de padrão elevado na Polônia, e sua realidade também fora dali, entre seus alunos. Os personagens principais dessa encenação são Tosia e Leon; ela, veterana do colégio que escreve textos autorais e independentes de sucesso entre seus amigos, ele, um calouro que conquista rapidamente a amizade e os olhares à sua volta. Em comum, ambos se consideram deslocados demais para compreender uma popularidade que não foi perseguida por eles. Se Leon já sabe muito bem seu lugar no mundo e está apenas tentando encontrar um espaço onde o desconforto não seja tão evidente, Tosia acaba de descobrir as razões de sua fúria constante e irrestrita. É da fricção entre essas duas pessoas que vão entender da ajuda que precisam que o filme vai tratar, e tentar também emoldurar o universo ao seu redor. 

Fanfic
Przemek Pączkowski

É raro um filme que trate sobre sexualidade (e não sobre sexo) que consiga sobreviver aos erros que o próprio cometerá. Se esse tema for centrado na adolescência, as chances da empreitada dar muito errado é a maior possível. Se a sexualidade em questão tiver foco na liberdade de gênero, na abertura de um espaço de debate diante da diversidade… bem, acho que esse filme sequer é feito. Fanfic, se não é um caso único, ao menos a sinceridade de sua abordagem deve sê-lo, e o trabalho de Marta Karwowska chega a ser difícil de definir, tamanho é o que a obra compreende dentro de um padrão qualitativo. As escolhas são as corretas até quando parece que não serão, e o filme resolve nos preparar surpresas de linguagem, colocando seus tipos em momentos que parecem armadilhas, mas que se revelam novas camadas de reconstrução de texto e de postura social. 

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O paralelo a isso é que Fanfic resolve sua estrutura dramática narrativa com fino esmero, acoplando as decisões de e para cada personagem sem pesar a ordem dos eventos, mas também sem correr com cada bloco. Ao espectador, é recompensador observar dinamismo e soluções acertadas sem que precise sacrificar soluções, porque houve espaço para cada desenvolvimento. Estamos diante de um título com um acentuado número de personagens com voz ativa, que provoca alguma alteração no campo, e que todos eles se encontrem ao final em rumo de definição, é algo que mesmo obras abertas – ou simplesmente alargadas, como uma série – não tem o hábito de cumprir. É da definição de autoralidade que esse acerto se sobressai; mesmo que esse quadro não seja obrigatório, ter uma diretora que também é sua roteirista coloca a obra em um lugar de completude de seus interesses. 

Fanfic
Przemek Pączkowski

Fanfic é um daqueles casos onde o olhar feminino faz toda a diferença no tratamento e na forma de conduzir os temas e as posturas de cada posicionamento, de ação e de tipos. Um grande conglomerado de ideias reunidas em torno de um mesmo assunto, existe uma forma muito delicada de olhar para o que está sendo colocado em cima da mesa. E tudo está em seu lugar, desde o texto e os desdobramentos de cada ação, até a direção esperta que obviamente quer atrair o público jovem, e o faz com graça e sem atravancar a imagem com excessos. Um exemplo de acerto são os rápidos minutos (se é que é mais de um) onde dois pais comentam sobre o que achavam de si mesmos ao se deparar com filhos que não imaginaram; é conciso e direto ao ponto, sem nunca correr com a resolução. 

É dessa franqueza que o cinema adolescente mais ressente a ausência. Não é todo dia que um material tão frontal é configurado com tamanha qualidade, sem parecer uma profusão de enfeites vazios. Fanfic é a um só tempo simples em sua contenção e demonstração de afeto, no que poderia existir de mais puro no que se propõe, e nunca lhe falta classe para conduzir com assertividade imagens que já vimos em outras produções para o mesmo público. O que está sendo jogado aqui é de uma cepa bem especial, capaz de conversar com convertidos (tanto da cinefilia quanto da diversidade sexual), mas também se interessa pelo que ainda está descobrindo seu lugar no mundo – e coloca essas pessoas na tela. É uma Surpresa com S maiúsculo, que não cansa de nos encantar com sua segurança estética, vazando até seus personagens

Um grande momento: O beijo na cama

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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