Onde Fica Esta Rua? ou Sem Antes Nem Depois

Apenas uma semana após a estreia de Fogo-Fátuo, nossos cinemas recebem o novo título de João Pedro Rodrigues, aqui assinando acompanhado de João Rui Guerra da Mata, que tradicionalmente assina a direção de arte dos filmes de Pedro, e aqui volta assinar junto com ele após A Última Vez que Vi Macau. Antes que se pergunte, trata-se de um título documental onde ambos se permitiram realizar fabulações a partir do período pandêmico, começado a ser pensado e logo antes, e terminado de rodar em seu auge. Onde Fica Esta Rua? ou Sem Antes Nem Depois é um projeto ensaístico, que conversa com a obra de João Pedro, mas busca um ponto de partida no clássico Os Verdes Anos, dirigido por Paulo Rocha e lançado há exatos 60 anos. É a partir desse diálogo entre o olhar dos diretores contemporâneos, a obra clássica do cinema português e as impossibilidades trazidas pelo covid-19, que nasce esse ser/filme exótico. 

Ouvimos a indagação: “será que meus avós viram dessa janela a Isabel Ruth e o Rui Gomes?”. Isso se dá porque Rui herdou o apartamento dos parentes, que fica no local exato onde Rocha rodou o filme em 1963. Quando surge então Ruth hoje, cantando e sendo vista pelos diretores exatamente da sacada pensada, é quando Onde Fica Esta Rua? ou Sem Antes Nem Depois embarca na fabulação mais demarcada, quando até ali tudo estava no campo das possibilidades do espectador. Os constantes avisos sonoros de que estamos no meio de uma pandemia e precisamos nos proteger, é a moldura precisa para que nosso campo de visão se acostume ao vazio. Não apenas dos espaços geográficos, mas principalmente do lugar onde se habitava, presente e passado, e que hoje encontra-se abandonado de suas propriedades, mostrando seu real valor. 

Essa solidão que brota da radiografia desses espaços inertes é uma análise do que estava em cheque nos três últimos anos, mas que também deixa claro o que já estava em trilho dos acontecimentos. Somente a juventude ainda busca a proximidade dos corpos, são eles ainda a travar a coragem do encontro, e vagar pela cidade em busca de outros seus. São deles que vêm os cigarros acesos, são deles que ainda se arregaça o tesão culpado de fim de tarde, são através desses corpos que ainda se percebe a velocidade do tempo, e o compromisso com outro corpo. Fora de seu campo de visão, resta uma cidade abandonada de sonhos, refém de uma cultura ancestral que não vale mais nada hoje, quando estamos sozinhos. O que resta das ruas portuguesas são a beleza de outrora, egressa de uma cultura que parece cada vez mais esvaziada de promoção, realização e sedução. 

Onde Fica Esta Rua? ou Sem Antes Nem Depois ainda é um retrato de um tempo de morte, onde esses passamentos desapareceram dos nossos olhos. É a morte que não se vê, lugares que não estão ocupados por outras coisas que não fantasmas e a certeza de que não há muito a restar a nós que não assistirmos ao passado vibrante de nossa sacada. Ao longe de suas duração, a resistência de acompanhar a falta de comunicação e a falta de corporalidade, uma marca de um período de perdas onde a solitude se fez obrigatória. Em cada parede descascada de casa abandonada, o que seus diretores mostram é uma frontalidade de pensamento a respeito do que não está mais disponível, restando como consequência o mundo individual(ista) que já vinha se desenhando – transformado em nada. 

Adentramos nos cenários de Paulo Rocha para que Onde Fica Esta Rua? ou Sem Antes Nem Depois revele o que sobrou daquele tempo, daqueles corpos de ‘novas ondas’; envelhecemos e nos restou o escombro da memória, pouco além. A doença global antecipou algo que já estava na pauta do dia, o distanciamento também emocional, a falta da presença do próximo tornou-se cômoda, ainda que melancólica. O que ainda invade o vazio é o ruído, os sons que são produzidos pela cidade, pela música, pelas lembranças. Ainda restará, quando não houver mais qualquer resquício do que já existiu, um barulho característico que nos lembre da importância do cinema, essa tal traquitana que ainda nos torna possíveis voltar em tempos outros, onde existam ainda tudo o que era humano. 

Aqui, no entanto, Pedro e Rui nos mostram que mesmo o cinema deverá ficar no rastro da imaginação; imagens de Os Verdes Anos nos são negadas, estão apenas no extra campo da recordação. Nesse sentido, talvez Onde Fica Esta Rua? ou Sem Antes Nem Depois seja um de seus filmes mais melancólicos, ainda que não necessariamente seus longas sejam dotados de efusividade emocional. O que eles estão declarando, no entanto, é apenas aspecto do lugar onde estamos, socialmente falando; deixamos o outro para trás, e com isso, ficamos também. A forma como eles filmam a ausência, ainda assim, é das maneiras mais alertas que alguém poderia fazer a respeito desse buraco onde nos enfiamos, gradativamente. Podemos sair, mas queremos? 

Um grande momento

Pedro, Rui e Isabel