Crítica | Streaming e VoD

Um Dia e Meio

Implosão de preconceito

(En dag och en halv, SUE, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama, Suspense
  • Direção: Fares Fares
  • Roteiro: Fares Fares, Peter Smirnakos
  • Elenco: Fares Fares, Alexej Manvelov, Alma Pöysti, Bengt Carlsson, Emma Behrendtz
  • Duração: 90 minutos

Alguns filmes conseguem dar um nó (ainda que pequeno) nas fórmulas e apresentar um caráter novo para histórias tantas vezes já contadas. Estreia de hoje da Netflix, Um Dia e Meio chega com a missão de renovar uma premissa gasta, e ao menos entretém durante sua curta duração. Lá pelas tantas, percebemos que estamos fazendo a viagem contrária ao que é ofertado – sair do micro e ir aumentando o escopo de sua situação, até o limite permitido. Isso seria algo com o qual estamos acostumados a lidar, e repetir um ponto de partida é algo do qual o streaming está acostumado. Aqui, tudo parece seguir à risca um modelo, até que se olhe mais de perto e perceba sobre quais parâmetros estamos lidando.

O clímax de Um Dia e Meio, ou melhor, seu ponto mais elevado de tensão, no qual as coisas estão na linha do incontrolável, acontecem nos primeiros 20 minutos de projeção. A partir daí, o longa sueco desce uma ladeira interna de discussão, e somos apresentados a um mote mais interiorizado possível, com as ondas batendo em pontos muito específicos de sua lógica. Não trata-se de uma construção gradativa de sua situação-limite, mas a apresentação já dela de cara, para então entrar nos méritos do porquê estamos nesse lugar. E não contando com flashbacks, o que resulta disso é um olhar muito minucioso a respeito de um casal, sua demolição familiar e a lógica que um dia os cercou. Como se após a explosão de uma bomba em um recinto, fôssemos então olhar pelo buraco da fechadura procurando seu pavio já utilizado. 

Fares Fares, astro de Garoto dos Céus e Chernobyl, estreia na direção e no roteiro com esse suspense dramático que discute, em paralelo à ação, os lugares por onde passeiam a xenofobia nos dias de hoje. Se o nazifascismo trouxe de volta elementos nefastos como a supremacia branca aos dias de hoje, Um Dia e Meio mostra que não é somente no barulho que estão fomentando essas questões, mas principalmente no conforto do lar. Artan e Louise eram um casal que, à luz de sua separação, deixa vazar para dentro de suas desavenças todo o horror do preconceito. Isso está na maneira como Artan encara os outros, mas principalmente na forma como isso já foi introjetado na sociedade. Espera-se de um homem como ele que seja um terrorista, e por isso existe uma predisposição a enquadrá-lo da forma como querem. 

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O novato diretor também é um dos protagonistas e expõe sua condição de estrangeiro na tela, que pode e é diminuída na tela. Ele e Alexej Manvelov (que é sueco) estampam na pele as muitas possibilidades de atos xenofóbicos serem aplicados contra eles, mesmo estando em lados opostos. Um Dia e Meio mostra que não há posição quando o preconceito ataca, ele pode ser sentido contra qualquer um. A cena da chegada da família de Louise, a mais aguda depois de seu início, é um momento onde observamos que, apesar dos ataques que homens estrangeiros, mulheres de qualquer nacionalidade ainda são desacreditadas, ainda que por quem deveria defendê-las. É quando fica claro que um caldeirão social que destrói os indivíduos em particular, comete o mesmo às instituições; são pessoas que se perderam por serem reféns de um sistema de preconceitos. 

O trio de protagonistas (que inclui também Alma Pöysti) está à flor da pele e angaria ao filme mais do que emoção, e sim um entendimento emocional das atitudes de seus tipos. Praticamente um ‘road movie’ de sequestro, Um Dia e Meio nos oferece iguais medidas de denúncia e de angústia, movendo-se em busca de um entendimento que não existe. É como a protagonista vê a sua história em determinado momento, e como também o espectador encontra-se em muitos momentos; não há razão. O que existe é uma produção de ritmo azeitado, que consegue nos fazer debater questões que infelizmente não saem dos jornais, além de convocar entretenimento em meio ao horror que se infiltra por todos os lados. 

Um grande momento

Louise e seus pais

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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