Crítica | Streaming e VoD

Um Clímax entre Nós

Ser sincero com o próprio corpo

(Happy Ending, HOL, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia romântica
  • Direção: Joosje Duk
  • Roteiro: Joosje Duk
  • Elenco: Gaite Jansen, Martijn Lakemeier, Joy DeLima, Sinem Kavus, Claire Bender, Sidar Toksöz
  • Duração: 90 minutos

Estaria a Netflix cansada de comédias românticas mais tradicionais? Custo a acreditar, afinal mensalmente somos assolados por filmes “quase” iguais a todos – e que na verdade nada têm de diferente. Mas esbarrar com algo como Um Clímax entre Nós, ainda que sua nacionalidade faça a diferença nesse caso, é sim uma forma de dizer ao mercado que sim, os filmes continuam iguais, mas aqui sim as aspas não precisam ser usadas: essa é uma comédia romântica com um sabor diferente. Ainda que a lendária subversão de costumes holandesa mostre aqui seu valor no que vamos assistir, não há como negar que estamos diante de um padrão não-copiado, mais um tema tabu que o streaming tem coragem de bancar, ao contrário da liberdade que os estúdios de cinema cancelaram faz tempo. 

Era 1994 e o cinema estava recebendo Três Formas de Amar, dirigido por Andrew Fleming, que mostrava o relacionamento entre três amigos vividos por Lara Flynn Boyle, Stephen Baldwin e Josh Charles que terminava na cama. Aquilo era o máximo que Hollywood permitiu de adesão ao poliamor, e o tema raramente voltou a dar as caras, mesmo com a coragem (e o sucesso) que o filme alcançou. Um Clímax entre Nós não é necessariamente um filme que aborde esse assunto de maneira frontal, mas isso também está sobre a mesa e encorpa a narrativa durante um bom tempo. De saída já sabemos que a discussão é sobre algo ainda menos debatido, e a coragem de se aventurar por terrenos que o cinema ainda trata com timidez inexplicada eleva a experiência por si só. 

Escrito e dirigido por Joosje Duk, Um Clímax entre Nós não consegue (ou não quer) ir até os extremos de sua discussão. Isso comporta que o gênero do filme não se altere, o filme trata de assuntos sérios com leveza sem deixar de demonstrar o terreno apropriado a ele, a textura que o fotógrafo Ezra Reverda dá a luz do filme é o mais delicado, e assim sendo o título agrega mais espectadores à discussão. Seria uma forma de entrar na dificuldade do orgasmo feminino ser debatido, por exemplo, e também em situar o quão difícil é assumir, mesmo pra si, sobre como esse assunto precisa estar na ordem do dia dos casais. O olhar mais humano para os personagens centrais e um maniqueísmo mais amenizado calibra a produção, provocando um impacto diante de sua abordagem delicada. 

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Toda essa sensibilidade para mostrar algo tão específico e não-dito sobre as camadas do universo feminino, e de como tais questões ainda não são tratadas por muitas mulheres, é alcançado porque Um Clímax entre Nós só poderia mesmo ser dirigido por uma, e Duk equilibra muito bem o que precisa ser dito. A forma como diz também é importante, e o filme enfatiza tanto as restrições de muitas mulheres quanto ao assunto, quanto a necessidade de que tudo isso seja dito. Por fora dos temas que a sociedade baniu de tratar, o filme é igualmente feliz no tratamento dado às relações amorosas e os imbróglios de qualquer ordem. Até um pouco didático na forma como fala sobre sinceridade, a teoria acaba sendo diminuída pela prática, já que estamos diante de uma protagonista que se amedronta em ser exposta com sua verdade. 

Sobre os dilemas de um casal jovem, uma mulher que não sabe como sinalizar sua falta de estímulo sexual, e o encontro de um trio para uma aventura de uma noite, Um Clímax entre Nós é recheado de muitas divagações implícitas, muitas delas no olhar dos personagens, sem jamais se colocar como detentor da verdade absoluta, ou oferecer panfletos ao público. De quebra, ainda promove um raro momento de seriedade ao sexo e às formas libertárias como as pessoas encaram os relacionamentos hoje. Como diria minha avó, liberdade não é sinônimo de libertinagem, e se enganar uma pessoa é errado, três então é uma lástima sem fim. Principalmente quando uma delas é a si mesmo, e não se percebe que por trás de qualquer história de amor, deve antes vir um romance nosso com nossa auto estima. 

Um Clímax entre Nós, do alto de sua tranquila “ousadia”, consegue comunicar muito mais do que o gênero consegue, hoje em dia. Imerso em fórmulas repetitivas a respeito de adolescentes (After, Através da Minha Janela…) ou de recriações estapafúrdias de um subgênero (Crepúsculo, que virou Cinquenta Tons de Cinza, que virou 365 Dias…), durante algum tempo parecia que o romance não tinha amadurecido. Duk mostra que talvez falte liberdade, talvez falte coragem, talvez falte um olhar sensível, mas com certeza muitas vezes falta talento mesmo. Aqui, não é o caso. 

Um grande momento

A maturidade do encontro no terraço 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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