- Gênero: Comédia
- Direção: Baya Kasmi
- Roteiro: Baya Kasmi, Michel Leclerc
- Elenco: Ramzy Bedia, Noemie Lvovsky, Abbes Zahmani, Tassadit Mandi, Vimala Pons, Lyés Salem, Melha Bedia, Caroline Guiela Nguyen
- Duração: 95 minutos
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No último domingo, Ficção Americana ganhou o Oscar de roteiro adaptado, e mostrou que o azeitado trabalho de Cord Jefferson reunindo pautas emergentes de hoje foram cruciais para o desempenho do filme na corrida. O acaso o colocou no mesmo ano de produção de O Livro da Discórdia, produção francesa que estreia essa semana nos cinemas, e que flerta com muitas implicações que estão presentes também por lá. Isso configura como mais de uma cabeça identificou petardos relevantes nas discussões sociais de hoje, tratando sobre o lugar onde artistas de alguma forma periféricos são colocados, e a maneira com que cada um decide enfrentar o mundo como o conhecemos. É uma forma de olhar para o abismo que define as relações humanas, e que igualmente se abre cada vez mais entre os polos.
Baya Kasmi é uma roteirista e escritora premiada por seu trabalho genial em Os Nomes do Amor, que aqui mais uma vez tende a reportar no cinema aspectos humanos agudos através da comédia, sem caricaturar seus personagens ou situações. Como uma profunda conhecedora do tratamento banal entre as pessoas, sua função de radiografar uma família argelina estabelecida na França, cujos laços rendem o pilar da produção. Existe um grau de verossimilhança forte na forma como as coisas são mostradas em O Livro da Discórdia, a um ponto onde só resta mesmo é embarcar em seu registro, e tentar encontrar naquela narrativa onde nossa própria árvore está. A partir desse momento o filme pode até parecer mais exagerado, mas rapidamente tomamos conta acerca do naturalismo do que é mostrado ali.
As semelhanças entre a proposta de Jefferson e a da Kasmi se encerram na profissão de seus protagonistas, na forma desacreditada com a qual eles encaram o universo onde vivem, e nas intrincadas relações que eles mantêm com suas respectivas famílias. O tom de O Livro da Discórdia é muito mais leve e acessível, e embora os componentes de xenofobia e até algum racismo sejam tratados com importância, a maneira jocosa com que as coisas se dão colocam a discussão em âmbito mais pessoal. Estamos diante de um homem que não consegue se relacionar com o passado, por isso cria um personagem para lidar com a família, que se adequa ao que ele imagina que eles queiram. Com isso, ele os afasta cada vez mais de sua experiência de vida.
Uma obra que, nas entrelinhas, está cutucando nossas liberdades individuais e a forma como lidamos com nossa auto imagem, O Livro da Discórdia é uma produção muito divertida, capaz de alcançar muitos públicos com seu humor direto e com seus tipos cativantes. Protagonizado por um inspirado Ramzy Bedia (de Bala Perdida), que interage com um elenco de belos atores, tudo é composto com uma tentativa descompromissada de nos fazer perceber onde estão nossos erros. Com humor fino, sem apelações populistas ou excesso de panfleto, é um caso raro de produção onde o equilíbrio das partes individuais é o segredo do sucesso. Kasmi obtém bom ritmo de uma espécie de ‘comédia maluca’ que aqui e ali tenta realizar.
A principal ambição de Kasmi é a comunicação, dentro da narrativa e fora. Um filme cujo protagonista é um escritor com dificuldade de aceitação de suas verdades, em conflito com uma família que também tem seus esqueletos escondidos, compreende muito bem o que é a compreensão de quem o assiste. Sem simplificar seu olhar, O Livro da Discórdia é uma porta de entrada para o diálogo, de maneira respeitosa e sofisticada. Raro é encontrar uma comédia no circuito que nos faça rir sem apelação, como é o caso aqui, uma diversão cujo maior brilho é a cumplicidade que emana da sua relação com o espectador.
Um grande momento
A tarde de autógrafos