Crítica | Catálogo

Dona Lurdes – O Filme

Uma mãe a mais

(Dona Lurdes - O Filme , BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Cristiano Marques
  • Roteiro: Manuela Dias, Claudio Torres Gonzaga
  • Elenco: Regina Casé, Arlete Salles, Evandro Mesquita, Thiago Martins, Chay Suede, Nanda Costa, Jéssica Ellen, Juliano Cazarré, Enrique Diaz, Humberto Carrão
  • Duração: 88 minutos

Dona Lourdes – O Filme se inicia exatamente da mesma forma que começava Amor de Mãe, telenovela global que se encerrou há três anos atrás. A protagonista encara a quebra da quarta parede ao conversar com o espectador, discorrendo sobre a própria vida, as intempéries atravessadas por ela (e mostradas pela novela), e o “capítulo final” anterior, que é rasgado para o surgimento desse filme que estreia hoje nos cinemas. O que era o fim agora já não é mais, e dando prosseguimento ao que já tínhamos visto em Crô – O Filme, Giovanni Improtta, O Bem Amado e outros; agora as novelas começam a se mostrar cada vez mais despudoradas ao reivindicar ao cinema um reconhecimento que os programas de humor sempre fizeram. A pergunta é: precisava?

As novelas Fina Estampa, O Bem Amado e Senhora do Destino, de onde foram retirados os personagens vividos por Marcelo Serrado e José Wilker, por exemplo, tinham muito muito mais audiência que a obra de Manuela Dias – infelizmente. Mas com certeza o alcance da saga de Dona Lourdes foi maior, dando mais uma camada de consagração às carreiras de Regina Casé e Adriana Esteves. Ao fim da empreitada, Dias escreveu um livro sobre a personagem e seu destino após a descoberta de Domênico, e faz parte desse livro a base para Dona Lourdes – O Filme. O resultado, que poderia ter virado um especial de fim de ano global, faz parte das tentativas da emissora de fincar mais uma bandeira nos cinemas – além da Globo Filmes, agora também teremos os Estúdios Globo. No papel, a proposta é incrível; na telona, a impressão que temos é exatamente o que deveria ter sido. 

Cria-se uma contradição inerente a essa obra, que não sabemos se tem como ser desfeita para os próximos projetos. Os Estúdios Globo ambicionam exatamente o quê? Em tese, não precisar de um atravessador, como outras distribuidoras, para lançar seus títulos no cinema. Certo? Na prática, é um caso parecido com o da Netflix, para o bem e para o mal – quem vai querer colocar nos cinemas títulos pré-programados para ocupar títulos de streaming em pré-estreia? Não à toa, apenas uma rede de salas aceitou a empreitada de colocar Dona Lourdes – O Filme no jogo. O tempo dirá quem estava certo, mas temo que os tais estúdios terão de se provar viáveis no resultado de bilheteria, e compatíveis com um certo padrão cinematográfico. 

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O que vemos diretamente em Dona Lurdes – O Filme é uma produção que facilmente pode ser chamada de televisiva. O que provoca então um outro questionamento, que já criou-se há muitos anos, a respeito das neo-chanchadas, que todos acusam de ter um padrão Globo tanto na produção quanto na captura de imagens. Agora que as novelas começaram a evoluir seu tratamento estético, com fotografia tratada e os espectadores das mesmas começaram a reclamar que tudo, agora, parece “naturalista demais”, um novo problema é criado. O material imagético da produção sim, tem um olhar para o plano um pouco mais rebuscado, mas talvez agora o problema seja do modelo do que é oferecido para o público. 

No sentido prático, trata-se de um desdobramento de Amor de Mãe, de verdade. Situações até são explicadas para o espectador, mas o filme, de maneira independente, precisa de muitos ganchos para sobreviver. Um exemplo é a citação a Telma, uma forma de louvar o trabalho magnífico de Esteves, mas que no filme, para quem não acompanhou nada do folhetim, soa de maneira completamente diferente para quem tem conhecimento prévio. A esse espectador no escuro, a citação é vaga e nada explicativa; a quem sabe do que se trata, é um ‘easter egg’ muito cheio de capricho. Dona Lurdes – O Filme, para além de suas contradições enquanto obra autônoma esteticamente, tem esses dados que enriquecem ou prejudicam o resultado, vai depender do olhar exterior. 

Agora, para além do imenso talento de todos que passam na tela, entre filhos de Lurdes, amiga, namorado, seu passado e seu futuro, é inegável que trata-se de um dos grandes trabalhos de Casé, e não à toa está sendo reprisado. Sua composição continua imbatível, o texto que é dado para ela ainda a promove mais, é um combo de acertos sem fim no que concerne apenas seu lugar na obra. Casé carrega de emoção, diversão (aos borbotões), um tanto de reflexão sobre a solidão das mães mais velhas, e coloca Dona Lurdes – O Filme em lugar impensável: bom ou ruim, decisão acertada ou equivocada, é impossível resistir ao seu talento. 

Um grande momento

Rian vai embora – mas Regina Casé faz com que todos os momentos sejam grandes

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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