Crítica | Streaming e VoD

Abigail

Cisne ensopado

(Abigail , EUA, CAN, IRL, 2024)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Matt Bettinelli-Olpin, Tyler Gillett
  • Roteiro: Stephen Shields, Guy Busick
  • Elenco: Alisha Weir, Melissa Barrera, Dan Stevens, Kathryn Newton, Kevin Durand, Angus Cloud, William Catlett, Giancarlo Esposito, Matthew Goode
  • Duração: 105 minutos

Tem uma estrutura básica em Abigail que, particularmente, não apenas me incomoda bastante, como também já ultrapassou os limites da repetição ao longo dos anos. É aquela situação onde um grupo de malfeitores/bandidos/desajustados (chamem como quiser, porque isso será reconfigurado mesmo), pessoas de péssima índole e no processo de cometer um novo crime, descobrimos serem os mocinhos do filme – porque existe alguém muito pior que eles. Então esse grupo, que em qualquer outra circunstância, seriam coadjuvantes de uma história onde sua presença seria dispensável, aqui está no centro das atenções e, óbvio, são muito carismáticos e cheios de personalidade. Quantas vezes isso já foi colocado à nossa disposição, só mudando a figura que será seu algoz? 

Uma outra disposição não ajuda o envolvimento imediato com a obra, e tanto tem a ver com o que vamos assistir, como com a forma que isso nos foi apresentado. Abigail bebe em uma fonte que já foi muito mais popular do que é hoje, que é a situação apresentada especificamente em Um Drink no Inferno – esse exatamente um dos filmes onde os bandidos, na verdade, são mocinhos. Mas a ênfase aqui é outra para a base da crítica: o título escrito por Quentin Tarantino e dirigido por Robert Rodriguez era aberto com uma base policial forte, que se desenvolvia para um filme de terror. À época, isso sacudiu os cinemas e o público inesperadamente, o que também poderia acontecer aqui, se material promocional, poster, trailer, fotos, ou melhor, todo o material já tivesse entregado a virada do roteiro. 

Em tese, isso não seria um problema, porque não se trata mais de uma novidade, com tantas produções já tendo usado tais situações. O problema é que o filme, não sei se de maneira ingênua ou só boba mesmo, cria toda uma apresentação anterior ao plot twist para o terror, tentando incutir uma ideia de descoberta de identidade de um personagem violento, que seria lendário entre mafiosos. Ou seja, existe uma cama policial que é preparada à toa, porque todos os envolvidos em Abigail já entregaram para onde ele irá, logo essa tentativa inicial passa a impressão de que não houve qualquer diálogo entre o que o filme é e a forma como ele deveria ser vendido. É como um número de circo de beira de estrada, onde o espectador finge que acredita na gravidade da roda da morte, e o motoqueiro finge que está em perigo ali; um faz de conta desnecessário.

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Apresentados os problemas (um último, menor, descrevo no desenrolar abaixo), Abigail é uma produção muito divertida, e, levando em conta o bom mocismo que assola o cinema estadunidense de larga escala há muitos anos e cada vez mais, até bastante ousado. Mesmo o terror, gênero em questão, é raramente invadido por espasmos gráficos que fujam do habitual comedimento, criando uma geração que não foi apresentada à violência que o terror deveria estar mais aproximado. Aqui não apenas o humor funciona como não há medo de flertar com o ‘gore’, em várias ocasiões, mostrando que a classificação etária estraga o que pode salvar um filme que seria originalmente mediano, muitas vezes. A combinação de uma candura inicial por tratar-se de uma personagem-título infantil com os banhos de sangue que acontecem muitas vezes, garantem ao espetáculo um frisson que não está sendo colocado em questão. 

O elenco também parece ter sido escolhido a dedo para a ocasião. Melissa Barrera (de Pânico V e VI), Kathryn Newton (de Freaky), Dan Stevens (de O Hóspede) estão na linha de frente literalmente se divertindo muito, e passando isso para o cinéfilo na frente da cadeira. O assombro do elenco, no entanto, é a pequena notável Alisha Weir mesmo, que não deixa barato em cada cena. A menina já tinha deixado claro que não está a passeio em Matilda – O Musical, e aqui comanda a cena muitas vezes sob uma maquiagem pesada, e indo de um extremo a outro de interpretação, muitas vezes modulando isso dentro de um mesmo plano. Não é fácil para um adulto o que é feito aqui, e aos 15 anos, Weir está à vontade como capitã de Abigail com versatilidade e segurança. 

Os diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, que além dos dois últimos filmes da franquia Pânico também dirigiram outra surpresa, Casamento Sangrento, só se envolveram em outra narrativa que parecia extraída do mesmo universo visual deste último citado. Os personagens aqui igualmente passam a madrugada presos em uma casa, a protagonista é uma mocinha cheia de problemas no passado, e os filmes têm desfechos bem afins. E à medida que o filme vai se aproximando do final e nós percebemos isso, não deixa de ser o equivalente a um balde de água, ainda que morna, em cima do público. Abigail é maior do que esses pontos isolados, e por isso a impressão que deixa é de uma diversão fora dos padrões de hoje, ainda bem. 

Um grande momento

O Lago dos Cisnes

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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