Crítica | Streaming e VoD

Antares de la Luz – Uma Seita Apocalíptica

O oposto da salvação

(Antares de la Luz: La secta del fin del mundo, CHI, 2024)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Santiago Correa
  • Roteiro: Valerie Schenkman
  • Duração: 95 minutos

Um mês depois da estreia de O Que Jennifer Fez?, e da experiência desastrosa que foi todo o contexto daquela produção, a Netflix nos entrega um novo ‘true crime’ que tem um diferencial aqui: é uma produção chilena, provavelmente um caso de alcance nacional, e produzida por Pablo Larraín (de O Conde). Antares de la Luz – Uma Seita Apocalíptica segue os passos já trazidos anteriormente em outros textos para o leitor – a abertura com as cabeças falantes das autoridades falando que nunca tinha visto tamanha barbaridade. A diferença aqui é que, após adivinharmos o que iria acontecer, o filme aparece com um dado muito mais absurdo e chocante, fazendo valer as falas iniciais e mostrando que a realidade será sempre mais inacreditável que a ficção. 

A base cinematográfica, para não variar, é a mesma de todas essas produções da Netflix, um bando de cabeças falantes falando acerca do tema, os envolvidos diretamente e os principais grupos que os cercaram, estejam entre parentes ou policiais e advogados. Como já dito em outros textos, não vale a pena procurar a novidade no meio desse arranjo: os depoimentos se seguem às dramatizações distanciadas (e geralmente com proposta fotográfica extravagante, como aqui), com um bocado de arquivo da época no meio. Essa é a estrutura que, até agora, não tem gerado maiores reclamações por sua repetição a não ser entre a crítica, e infelizmente continuaremos dependendo do teor do material sobre o qual cada filme estará debruçado. 

É exatamente esse o caso de Antares de la Luz – Uma Seita Apocalíptica, uma história que se abre de maneira tranquila e segue crescendo até um horror inacreditável – e nesse momento, eu me sinto exatamente como os policiais que abrem o filme, “recomendando a produção”. Mas dessa vez essa reação extremada faz sentido, e talvez não seja suficiente para expressar a profundidade do caso. Não existe um plot twist aqui, apenas uma gradual descida ao inferno por pessoas que juravam que estavam construindo o caminho exposto. Então, quando os adjetivos levam o texto para algo grave, é a própria natureza humana que se manifesta de maneira destruidora na montagem do caso em si, e a única responsável por tamanha insanidade. 

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Como dito acima, esses títulos vez por outra apresentam uma saída estética cujo trabalho precisa ser valorado, como o caso da fotografia aqui. Faz sentido o que é feito pelo trio Diego Pequeño, Juan Antonio Ríos e Esteban Truyol, responsáveis pela área, e que se cercam do fanatismo embutido em toda a história. Antares de la Luz – Uma Seita Apocalíptica é um retrato sobre um grupo no qual é feita uma lavagem cerebral por um só homem, Ramón Gustavo Castillo Gaete. Se valendo das vulnerabilidades que encontra em um grupo de pessoas, ele se transforma em Antares de la Luz, uma espécie de novo messias que teria vindo para impedir o fim do mundo. E dessa forma, o grupo de fotógrafos transforma suas aparições em momentos psicodélicos de inspiração setentista, em cores e texturas. 

Esse é o primeiro trabalho de direção solo de Santiago Correa, que tinha trabalhado com a indicada ao Oscar Maite Alberdi (de Agente Duplo e A Memória Infinita) no média-metragem Soy la Tierra. Ou seja, existe uma recomendação e um recorte fino em seu trabalho mesmo aqui em Antares de la Luz – Uma Seita Apocalíptica, filme que se esforça para perder as características tradicionais dos documentários ‘netflixianos’ sobre crimes verdadeiros. Esse aspecto da luz em cena já é um dado que corrobora a respeito de uma preocupação verdadeira em mostrar-se afastado das convenções tradicionais. Aliado à horrenda história que é contada em cena, contribui para que o trabalho coletivo se mostre mais atraente do que nos está sendo entregue pelo streaming. 

O plano final, que vai abrindo aos poucos em seu cenário, é um daqueles casos onde a utilização de um drone é justificado para longe da compilação de imagens aéreas vazias. É um momento marcante de uma história que não será esquecida facilmente, mas que Antares de la Luz – Uma Seita Apocalíptica tenta sufocar. É um desfecho igualmente inquietante para uma tragédia coletiva, que mostra que mesmo que as coisas tenham um fim propriamente dito, elas ainda serão marcadas pelo espaço que os abrigou. 

Um grande momento

A fogueira

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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