- Gênero: Documentário
- Direção: Wolney Oliveira
- Roteiro: Margarita Hernandez, Wolney Oliveira
- Duração: 90 minutos
-
Veja online:
O principal valor de Lampião: Governador do Sertão, um dos filmes da sessão competitiva do É Tudo Verdade 2024, foi trazido pela isenção com que o diretor Wolney Oliveira (do potente Soldados da Borracha) imprime a sua narrativa. É fácil falar “não podia ser diferente”, mas a verdade é que uma biografia, seja ela inserida entre os campos da funcionalidade ou do documentário, é uma porta de entrada para um manancial de proposições esperadas no universo cinematográfico. O mais nocivo deles é a parcialidade, geralmente a favor do homenageado, que não ajuda ninguém, obra ou objeto. Chapada, uma produção não avança em nenhuma discussão; Oliveira passa bem longe de cometer algo parecido, e o trabalho de montagem impresso aqui é o motor dessa construção.
Daniel Garcia e Mair Tavares (o segundo, um dos maiores do nosso cinema, no caminho para completar 80 anos) não apenas entregam um trabalho que define os rumos do filme, também devem ter se divertido tanto quanto o espectador em sua confecção. Através do material da pesquisa de Antonio Amaury Correia de Araújo e João de Sousa Lima, eles montam um painel muito particular a respeito de uma das figuras mais conhecidas e pesquisadas do país, que privilegia a intersecção entre verdade, mentira, fato e lenda. Aos poucos, nós conhecemos tanto sobre o protagonista quanto sobre o Nordeste brasileiro, suas particulares contradições dos anos 20 e 30, e como esse mesmo lugar ainda está espelhado em 2024. É mais uma obra que traduz bem a cinematografia e os interesses de Oliveira, um cronista do cruzar dos tempos, que parece sempre dialogar passado e presente para concluir que estamos sempre repetindo a História.
Não é a primeira vez que Oliveira se debruça sobre o cangaço, o delicioso Os Últimos Cangaceiros já tinha trazido um pouco desse universo para sua filmografia. Mas falar sobre Virgulino Ferreira, agora, é como ter feito um filme sobre Glória Menezes antes, e agora fazer um sobre Fernanda Montenegro. Durvinha também aparece aqui em Lampião: Governador do Sertão, entre muitos outros contemporâneos a eles, em relatos que montam um mosaico impossível de se imaginar completo, porque sempre teremos novas visões sobre o personagem. Na certeza de que seria impraticável completar o quadro, o cineasta mostra tantas possibilidades de cenários que, como ele mesmo diz, cada um abrace a versão que melhor lhe convir; provavelmente nenhuma delas está completamente errada.
As contradições que vão surgindo ao longo do caminho, na justaposição das opiniões que Oliveira conseguiu (e é sempre muito bom ouvir sua voz vazando para a imagem, cria uma cumplicidade com o espectador e com o entrevistado, ao mesmo tempo), criam um campo de cacofonia da informação que agrega ao material do filme o tanto de discussão que as redes sociais trouxeram. Hoje, todos são especialistas em alguma coisa, e defendem com veemência suas visões; em Lampião: Governador do Sertão isso está impresso através de pessoas que viveram naquele tempo, ou que estudaram o mesmo. Ainda que o filme tenha uma estrutura de ‘cabeças falantes’, essa brincadeira da montagem concede fôlego ao trabalho e acaba por enriquecer todas as vozes em cena.
Lampião: Governador do Sertão ainda sugere, como uma piscada de olho na direção da plateia, um olhar sobre a promiscuidade entre o Poder do Estado e o banditismo, em um reflexo que nunca deixou de existir. Os poderosos donos de propriedades e o Governo propriamente dito abraçaram e deixaram Lampião agir por cerca de 20 anos, com um grau de liberdade que não era concedido se não houvesse muitos interesses escondidos. Em compensação, quando passa a não interessar mais e incomodar com seus excessos – inclusive deixando o ego falar mais alto – os mesmos que não o coibiram quando era preciso, correram atrás de pedir sua cabeça quando a conveniência pediu, literalmente.
Alguns excessos na duração, aqui e ali, não tiram o brilho de uma ideia muito feliz para contar a história sobre um homem que nunca foi unânime, mas que também sempre se manteve entre os dois lados da moeda. Com a inteligência de não abraçar lado algum, Lampião: Governador do Sertão ainda promove uma informal aula de História sobre uma figura que não simboliza um lado apenas, mas uma espécie de perfil coletivo do brasileiro. Sempre fomos atrelados ao ‘jogo de cintura’ como sendo uma forma de sobreviver, sem optar por algo definitivo. Lampião, heroi para uns e vilão para outros, não cessa de explicitar o quanto dele ainda está em nós.
Um grande momento
A discussão sobre o whisky